Da Redação
Quatro décadas após a retirada forçada de mais de 170 crianças de suas famílias para envio ao exterior, um acordo histórico permitirá que cinco familiares de vítimas de um esquema de adoções ilegais em Santos Dumont (MG) sejam indenizados. O esquema, que teria envolvido agentes públicos locais, advogados e irmãs de caridade entre 1985 e 1987, operava sob a autoridade do juiz de Direito Dirceu Silva Pinto, já falecido. O acordo firmado entre a União, o Estado de Minas Gerais e os autores da ação estabelece indenizações que totalizam mais de R$ 1,4 milhão.
O acordo envolve a Advocacia-Geral da União (AGU), a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais e os autores da apelação cível que tramita no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6). A ação foi proposta em 2017 por três mães e dois irmãos de sete crianças submetidas à adoção ilegal. Após quase seis meses de negociações conduzidas pela Procuradoria-Regional da União da 6ª Região (PRU6), o caso que se arrastava há décadas encontrou uma solução consensual que busca trazer pacificação social às famílias afetadas por uma das páginas mais sombrias da história recente de Minas Gerais.
TRF6 reconhece crimes e rejeita prescrição
Em abril deste ano, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região rejeitou a tese da prescrição do caso, abrindo caminho para a indenização das vítimas. O acórdão fundamentou o pedido indenizatório considerando diversos fatores que agravavam a situação das famílias afetadas. Entre os pontos destacados pelo tribunal estava a extrema vulnerabilidade social e econômica em que as famílias se encontravam na época em que ocorreram os fatos.
O TRF6 também analisou o contexto histórico do final dos anos 1980, período de transição entre a ditadura militar e a democracia no Brasil. Segundo o tribunal, a época era marcada “pelo medo, pela repressão e pela sensação de impotência diante das autoridades”, fatores que contribuíram para que famílias pobres e desinformadas não conseguissem reagir à retirada forçada de seus filhos.
Participação do Estado e da União no esquema
De acordo com informações da AGU, o tribunal concluiu que o Estado de Minas Gerais teve participação direta nos fatos criminosos que resultaram na retirada das crianças de suas famílias. A atuação ocorreu por meio do juiz Dirceu Silva Pinto, de servidores do Tribunal de Justiça e de comissários de menores que não apenas permitiram, mas também viabilizaram as adoções fraudulentas que enviaram mais de 170 crianças para o exterior.
Em relação à União, o TRF6 entendeu que houve omissão do ente federal, configurada pela permissão da saída das crianças do país sem a devida fiscalização e pela ausência de investigação adequada dos fatos. A responsabilidade do governo federal foi considerada menor em comparação com a do Estado, já que os agentes estaduais atuaram diretamente na execução do esquema.
Em razão da diferente contribuição de cada ente para os eventos danosos, a responsabilidade pela indenização foi dividida de forma proporcional: 80% para o Estado de Minas Gerais e 20% para a União.
Valores das indenizações
Maria Ricardina de Souza, mãe de uma das crianças retiradas à força de sua família, será indenizada no valor de R$ 409 mil. Seus filhos, Maria Concebida Marques e Sebastião de Souza Marques, que também sofreram com a separação forçada, receberão R$ 122 mil, divididos entre ambos. A indenização reconhece o sofrimento tanto da mãe que teve seu filho arrancado quanto dos irmãos que perderam o convívio familiar.
Heloisa Aparecida da Silva, que teve três filhos levados pelo esquema criminoso, receberá indenização de R$ 410 mil. O valor busca reparar, ainda que de forma limitada, o trauma de ter perdido três crianças de uma só vez para um sistema que deveria proteger famílias vulneráveis, mas que, ao contrário, as destroçou.
Isaura Cândida Sobrinho, também vítima da retirada forçada de três filhos, receberá R$ 413 mil. Os valores estabelecidos no acordo consideram a gravidade dos danos causados, o tempo decorrido desde os fatos e o impacto irreparável na estrutura familiar das vítimas, que nunca mais puderam conviver com seus filhos.
Seis meses de negociações
O caso foi conduzido pela Procuradoria-Regional da União da 6ª Região (PRU6), braço da Procuradoria Geral da União (PGU/AGU), em um processo que exigiu articulação entre diferentes esferas governamentais. “O acordo foi construído após quase seis meses de tratativas, envolvendo a União, o Estado de Minas Gerais e a parte autora, e visava a uma solução consensual para encerramento definitivo da controvérsia, que já durava décadas”, ressalta a advogada da União Daniela Mendonça de Melo, coordenadora regional de Negociação da PRU6.
A procuradora avaliou positivamente o resultado das negociações, destacando que o objetivo de pacificação foi alcançado. “Acredito que o acordo conseguiu satisfazer as expectativas das partes, gerando pacificação social”, afirmou. O entendimento entre as partes evitou que o processo se prolongasse por mais anos em disputas judiciais, permitindo que as vítimas recebessem a reparação de forma mais célere.
Próximos passos e encerramento definitivo
O acordo será agora submetido à homologação judicial, etapa necessária para que tenha validade jurídica plena. Após a aprovação pelo juízo competente, os pagamentos das indenizações poderão ser efetivados, encerrando formalmente o processo que se iniciou em 2017, mas que remonta a fatos ocorridos há quatro décadas.
Após o pagamento das indenizações, os montantes devidos a título de reparação serão dados como plenamente quitados, sem possibilidade de novas reclamações em juízo ou fora dele.



