Por Carolina Villela
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aceitou embargos de declaração para esclarecer que a suspensão nacional de processos trabalhistas sobre “pejotização” não se aplica às relações de trabalho envolvendo plataformas digitais. A decisão foi tomada no Recurso Extraordinário (RE)1532603, que discute o tema.
O esclarecimento atende a questionamentos sobre o alcance da medida cautelar que, desde abril, suspendeu nacionalmente todas as ações trabalhistas sobre o tema até o julgamento definitivo pelo Plenário da Corte. A distinção reconhece as especificidades das relações intermediadas por aplicativos digitais, que possuem características próprias e são objeto de análise em processo específico no STF.
Suspensão nacional mantém objetivo de uniformizar decisões
Em abril deste ano, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todas as ações sobre pejotização, “medida indispensável para evitar a proliferação de decisões divergentes” sobre a matéria. O relator destacou que a providência assegura o princípio da segurança jurídica e contribui para desafogar o STF, permitindo que a Corte cumpra seu papel constitucional em outras questões relevantes para a sociedade.
O recurso analisa dois pontos principais: a competência e o ônus da prova nos processos que investigam fraudes em contratos civis de prestação de serviços, e a licitude da contratação de pessoas jurídicas ou trabalhadores autônomos para substituir vínculos empregatícios tradicionais.
Embargante questiona extensão excessiva da suspensão
Nos embargos de declaração, o autor questionou a abrangência da suspensão nacional, considerando-a excessivamente gravosa aos trabalhadores e pediu que fosse esclarecido se a decisão atingiria questões constitucionais objeto de outras ações ou recursos em trâmite no STF e de relatoria de outros ministros, como contratos de franquia, motoristas de aplicativo e representantes comerciais.
Entre os argumentos apresentados, destacou que a medida prejudica a administração da Justiça e a entrega da prestação jurisdicional, especialmente em processos que ainda se encontram em fase de instrução probatória nas instâncias ordinárias.
O recorrente argumentou ainda sobre a prevalência do princípio da primazia da realidade no Direito do Trabalho, sustentando a competência da Justiça do Trabalho para julgar vínculos empregatícios com base na realidade fática.
Ministro mantém suspensão para garantir uniformidade
Em sua resposta aos embargos, o ministro Gilmar Mendes reafirmou que a suspensão de todos os processos relacionados às questões debatidas é medida indispensável. O relator enfatizou que a providência fortalece a segurança jurídica e contribui para a eficiência do trabalho jurisdicional, impedindo o avanço de processos que deverão se ajustar ao entendimento futuro do STF.
Quanto à alegação de que outras ações sobre o tema tramitam no STF sob relatoria de outros ministros, Mendes esclareceu que isso não impede a suspensão nacional. O ministro citou o artigo 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, que prevê expressamente essa prerrogativa ao relator do paradigma da repercussão geral.
Segundo o ministro, o prosseguimento de discussões paralelas não inviabiliza a eficácia da suspensão nacional, especialmente quando as ações tratam diretamente de questões objeto do tema de repercussão geral. Mesmo com a ADPF 1.149, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, que discute contratos de franquia, o ministro não identificou impedimento para a suspensão dos processos correlatos.
Plataformas digitais recebem tratamento específico
O principal esclarecimento trazido pela decisão refere-se às relações de trabalho intermediadas por aplicativos digitais. O ministro Gilmar Mendes reconheceu que essas relações “possuem natureza própria e peculiaridades fáticas e jurídicas que extrapolam a discussão sobre licitude da contratação de autônomos ou pessoas jurídicas”.
As especificidades das plataformas digitais justificam tratamento apartado, uma vez que são objeto de análise no tema 1.291 da repercussão geral, sob relatoria do ministro Edson Fachin. Nesse processo específico, o STF examinará de modo mais detalhado os contornos da relação entre trabalhadores e plataformas digitais.
Portanto, as causas que versam especificamente sobre relações estabelecidas por meio de aplicativos não estão abrangidas pela suspensão nacional determinada no tema 1.389 da repercussão geral. O exame dessas questões ocorrerá em âmbito próprio de discussão, reconhecendo as particularidades do modelo de negócios das plataformas digitais.
Representantes comerciais e controvérsias persistentes
Sobre os representantes comerciais, o ministro observou que o STF já se manifestou sobre a natureza jurídica dessa relação e sobre a competência da Justiça comum para julgar demandas regidas pela Lei 4.886/1985. No entanto, destacou o “reiterado descumprimento desse entendimento por parte da Justiça do Trabalho”.
Para Gilmar Mendes, “não há impedimento para que o Supremo reaprecie questões já decididas, especialmente diante de persistente controvérsia ou da necessidade de reafirmação da tese para garantir a efetividade da orientação fixada pelo Tribunal”.
O ministro ressaltou que determinadas hipóteses, embora relacionadas aos aspectos debatidos no recurso principal, apresentam especificidades que justificam tratamento diferenciado, como no caso das plataformas digitais.