O número de ações na Justiça do Trabalho caminha para um novo recorde em 2025, com projeções indicando cerca de 2,3 milhões de novos processos até dezembro. O crescimento é impulsionado principalmente pelo setor de serviços, que respondeu por 26,6% dos casos protocolados em 2024, totalizando 556.143 processos e superando historicamente a indústria como setor que mais gera litígios trabalhistas.
Os dados revelam que 2024 já havia registrado 2,1 milhões de ações, o maior patamar desde a aprovação da reforma trabalhista em 2017. No primeiro semestre de 2025, foram ajuizadas 1,15 milhão de ações, comparadas a 1,044 milhão no mesmo período do ano anterior. Essa tendência ascendente contrasta com a queda inicial observada após a reforma, quando os processos caíram de 2,7 milhões em 2016 para 1,7 milhão em 2018.
Decisão do STF impulsiona crescimento de litígios
Especialistas apontam uma decisão do Supremo Tribunal Federal de 2021 como principal responsável pelo aumento expressivo de processos trabalhistas. O STF derrubou dispositivo da reforma que obrigava beneficiários da justiça gratuita a pagarem custas processuais em caso de derrota. A medida eliminou riscos financeiros para trabalhadores que ingressam com ações contra empregadores.
Paulo Peressin, sócio do escritório Lefosse declarou ao Estadão que a decisão criou “risco zero” para ex-empregados. Segundo o especialista, trabalhadores podem declarar simplesmente que não têm condições financeiras para arcar com despesas processuais. Se empresas não conseguirem provar patrimônio do requerente, ele fica isento de qualquer pagamento, mesmo perdendo a ação.
Rogério Neiva, juiz do Trabalho e ex-auxiliar do Tribunal Superior do Trabalho, também atribui o crescimento à facilidade de acesso gratuito à Justiça. “É um sistema de incentivo à judicialização”, declarou Neiva ao Estadão, explicando que trabalhadores não pagam para entrar com ação nem arcam com custos em caso de derrota.
Setor de serviços lidera estatísticas de processos
O setor de serviços emergiu como principal gerador de litígios trabalhistas, superando a indústria que tradicionalmente ocupava essa posição. Especialistas explicam que atividades de serviços ganharam impulso após a pandemia, movimentando contratações e demissões. Esse dinamismo econômico reflete diretamente no aumento de ações judiciais trabalhistas.
Em 2024, o setor de serviços registrou o maior saldo de empregos com 915.800 vagas segundo dados do Caged. Essa expansão do mercado de trabalho no segmento contribui proporcionalmente para o crescimento de processos judiciais. A tendência se mantém em 2025, consolidando a liderança do setor nas estatísticas tribunais trabalhistas.
TST atribui aumento ao fim da pandemia
O Tribunal Superior do Trabalho apresenta interpretação diferente sobre as causas do crescimento processual. A instituição declarou ao Estadão que o aumento reflete a retomada ao patamar pré-pandemia, após queda registrada em 2020 e 2021. O tribunal evita relacionar diretamente o crescimento com a decisão do STF sobre justiça gratuita.
Segundo posição oficial do TST, não é possível afirmar categoricamente que a decisão do Supremo na ADI 5766 teve impacto direto no volume de ações. A corte trabalhista prefere associar o fenômeno à normalização das atividades econômicas pós-pandemia. Essa interpretação diverge da análise apresentada por especialistas em direito trabalhista.
Autodeclaração para justiça gratuita gera distorções
Estudo coordenado por José Pastore, professor da USP, identificou distorções no sistema de autodeclaração para justiça gratuita. A pesquisa baseada em casos reais mostrou empregado com dois veículos BMW de R$ 800 mil cada obtendo o benefício. Outro processo revelou pessoa com salário de R$ 30 mil mensais conseguindo isenção apenas com declaração simples.
O STF analisa ação sobre validade da autodeclaração, mas julgamento está suspenso após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Mesmo com eventual correção dessa distorção, especialistas indicam que estrutura de incentivo à judicialização permaneceria inalterada.