Por Carolina Villela
O ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal 2669, apresentou nesta terça-feira (9) um voto duro contra Jair Bolsonaro e seis ex-integrantes do alto escalão do governo, acusados de integrar o núcleo militar da organização criminosa que tentou abalar as instituições democráticas. Para Moraes, o grupo arquitetou e executou atos concretos de golpe de Estado entre 2021 e 2023, culminando nos ataques de 8 de janeiro.
Segundo o relator, “há excesso de provas nos autos” e ficou demonstrado que Bolsonaro liderou a organização criminosa utilizando a estrutura do Estado brasileiro para desacreditar as eleições, fragilizar o Judiciário e manter-se no poder. O voto condena os réus pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Delação e provas reforçam a acusação
Moraes iniciou seu voto afastando todas as preliminares apresentadas pelas defesas, especialmente contra a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. O relator destacou que os depoimentos foram divididos por estratégia de investigação, tratando de temas distintos como vacinas falsas, joias e atos golpistas. “Isso beira a litigância de má fé dizer que são versões diferentes”, afirmou.
Ele também rebateu críticas sobre suposta atuação inquisitória durante as audiências. Para Moraes, a ideia de que o juiz deve ser uma “samambaia jurídica” não encontra respaldo no sistema acusatório. “Ele não só pode, como deve fazer perguntas”, reforçou.
Ao validar os depoimentos e provas colhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, Moraes sustentou que o material é sólido e consistente, inclusive com registros documentais e digitais que envolvem diretamente os acusados.
Planos golpistas em agendas e mensagens
O relator deu destaque a documentos apreendidos, como a agenda de anotações de Augusto Heleno e arquivos digitais atribuídos a Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin. Segundo Moraes, os registros não eram simples “memórias” ou “querido diário”, como sustentaram as defesas, mas provas de preparação de atos para deslegitimar eleições e instigar ataques ao Judiciário.
“Não consigo entender como alguém pode achar normal, numa democracia em pleno século 21, uma agenda golpista”, afirmou Moraes. Ele ressaltou que as anotações falavam até em prisão de autoridades que cumprissem ordens judiciais, o que revela planejamento de ruptura institucional.
Em outro trecho, o ministro classificou como grave o monitoramento de ministros do STF, políticos e jornalistas com o software espião First Mile, operado pela Abin. Para Moraes, tratava-se de uma estrutura clandestina de contrainteligência destinada a sustentar a ofensiva golpista.
Bolsonaro como líder da organização
Moraes apontou Jair Bolsonaro como o chefe do grupo. Ele citou discursos do ex-presidente em lives, manifestações e eventos oficiais nos quais descredibilizou o sistema eleitoral e incentivou ataques ao Supremo. “Não é conversa de bar. É um presidente da República instigando milhares de pessoas contra o STF”, frisou.
O relator lembrou frases emblemáticas, como a proferida por Bolsonaro em 2021: “só saio preso, morto ou com a vitória”. Para Moraes, a declaração deixa claro que o então presidente não aceitaria derrota nas urnas e já preparava terreno para um golpe.
Segundo o voto, Bolsonaro utilizou a Polícia Rodoviária Federal e tentou cooptar as Forças Armadas para sustentar medidas de exceção, além de buscar apoio financeiro junto ao agronegócio para financiar atos antidemocráticos.
Da minuta ao 8 de janeiro
Em sua análise, Moraes detalhou a evolução da minuta do golpe, que passou de memorandos iniciais para hipóteses de estado de defesa, de sítio e intervenção federal. Apesar das alterações, o conteúdo sempre manteve o objetivo central: impedir a alternância de poder.
Para o relator, os ataques de 8 de janeiro de 2023 foram a culminação de um processo iniciado em 2021, quando Bolsonaro e seus aliados começaram a questionar a legitimidade das urnas. “Quem pretende dar o golpe, dá o golpe, como se pretendeu aqui”, declarou.
Na conclusão, Moraes ressaltou que a tentativa não foi um episódio isolado, mas a estratégia deliberada de um grupo político que “não sabe perder eleições”. Ele reforçou que a organização criminosa armada visava, a qualquer custo, restringir o funcionamento dos Poderes e depor o governo legitimamente eleito.
Condenação dos réus
Com base no conjunto probatório, Moraes votou pela condenação de Jair Bolsonaro, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Alexandre Ramagem. No caso de Bolsonaro, além das condutas imputadas aos demais, o ministro reconheceu a liderança da organização criminosa.
“Estamos esquecendo que o Brasil quase voltou a uma ditadura que durou 20 anos”, alertou o relator. Para ele, o episódio demonstrou a gravidade do risco enfrentado pela democracia brasileira e a necessidade de punição exemplar.
O julgamento prossegue com a manifestação dos demais ministros da Primeira Turma do STF.