Da Redação
Uma operação do Ministério Público Federal revelou um cenário alarmante de descontrole na fiscalização ambiental da Amazônia: 828 permissões de garimpo foram concedidas irregularmente na Área de Proteção Ambiental do Tapajós, sudoeste do Pará, sem que o órgão responsável pela conservação nem sequer fosse notificado.
A ação judicial, protocolada em dezembro de 2024, expõe falhas graves no sistema de licenciamento mineral brasileiro e ganha relevância especial às vésperas da COP30, conferência climática da ONU que será realizada em Belém em novembro. Nesse contexto, o MP quer suspender atividades mineradoras que operam sem autorização ambiental na APA do Tapajós, expondo contradições entre regulação mineral e proteção ambiental no Brasil
Mineração “legal” que age como ilegal
O cerne da questão está na atuação da Agência Nacional de Mineração (ANM), que vem autorizando sistematicamente atividades de pesquisa e lavra mineral sem consultar o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), gestor da unidade de conservação. De acordo com o MP, a prática viola frontalmente a Lei 7.805/1989, que estabelece como obrigatória a anuência do órgão ambiental responsável antes da concessão de permissões para exploração mineral em áreas protegidas.
Já no final de 2024, uma fiscalização do Ibama suspendeu 331 das permissões irregulares, após constatar em campo o uso indiscriminado de mercúrio, despejo de rejeitos diretamente nos rios e mineração em áreas de preservação permanente. E relatório do Ibama afirmou que a atividade garimpeira “licenciada” na APA do Tapajós “não difere em nada da atividade realizada nos garimpos completamente ilegais”.
Impactos devastadores para povos indígenas
Os efeitos dessa mineração descontrolada vão muito além da degradação ambiental. Valdineia Saw Munduruku, liderança indígena que integra o conselho consultivo da APA, relata um cenário de violência e contaminação no território Munduruku, vizinho à área protegida. “Os invasores já mataram muitos indígenas, além de trazerem para dentro do território doenças, bebidas e drogas”, denuncia a liderança.
Enquanto o assoreamento de rios e o desmatamento agravam o problema, a contaminação por mercúrio tornou-se a principal ameaça à saúde dos Munduruku. Fato já comprovado por pesquisas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O metal tóxico, usado na separação do ouro, contamina os rios da Bacia do Tapajós, afetando diretamente a subsistência e a saúde de um povo cuja vida depende desses recursos hídricos.
O que pede o MPF
O Ministério Público Federal exige que a Justiça determine a suspensão imediata de todas as autorizações irregulares de pesquisa e lavra; a proibição de novas permissões sem anuência prévia do ICMBio; e a condenação da ANM ao pagamento de R$ 100 milhões por danos morais coletivos
A ação ainda aguarda decisão judicial, mas já cumpriu papel importante ao expor publicamente a dimensão do problema.
COP30 e a credibilidade ambiental brasileira
Para o procurador Gilberto Batista Naves Filho, o caso exemplifica exatamente os desafios que serão debatidos na COP30. “É necessária a observância da legislação, não podendo o órgão gestor da unidade de conservação ser simplesmente desconsiderado”, afirma.
A situação coloca o Brasil em posição delicada: como o país pode liderar discussões globais sobre proteção climática e florestal enquanto suas próprias agências reguladoras operam em desacordo com a legislação ambiental?
O caso foi identificado após o ICMBio apresentar a situação em evento da Câmara de Meio Ambiente do MPF, em novembro de 2024. Em menos de 30 dias, a denúncia foi formalizada na Justiça — um exemplo de resposta institucional ágil diante de violações ambientais sistemáticas.
Um alerta para a governança ambiental
O descontrole revelado na APA do Tapajós não é apenas sobre números de permissões irregulares. Trata-se de um colapso nos sistemas de checagem e equilíbrio que deveriam garantir que desenvolvimento econômico e proteção ambiental caminhem juntos.
Como destacou o MP. quando mineração “legalizada” se torna indistinguível de garimpo ilegal, o problema transcende a fiscalização: revela falhas estruturais na coordenação entre órgãos federais e na efetividade da legislação ambiental brasileira.
A poucos meses da COP30, o caso serve como termômetro da capacidade — ou incapacidade — do Brasil de fazer valer suas próprias leis de proteção ambiental em uma das regiões mais estratégicas do planeta para o equilíbrio climático global.