Da Redação
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou jurisprudência no sentido de que, para ser considerado em situação análoga à de escravo, o trabalhador não precisa ser privado de sua liberdade de ir e vir, basta ser submetido a condições degradantes de vida para qualquer ser humano. A configuração do delito dessa forma está prevista no artigo artigo 149 do Código Penal, e foi destacada, recentemente, por ministros da 6ª Turma da Corte.
Na prática, o colegiado deu provimento a um recurso do Ministério Público Federal (MPF) — o Recurso Especial (REsp) Nº 2.204.503 — para reconhecer a tipicidade da conduta dos responsáveis por uma fazenda na qual a fiscalização do Ministério do Trabalho identificou 13 trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho.
Entenda o caso
Eles foram contratados em 2008 para prestar serviços em propriedade localizada nas zonas rurais dos municípios de Correntina e São Desidério (BA).
Conforme consta no processo, o relatório de fiscalização apontou que os trabalhadores estavam alojados no meio do mato, dividindo-se entre os que dormiam em um ônibus velho e os que dormiam em um barraco de plástico preto, sem piso e sem energia elétrica.
Além disso, a água estava armazenada em caminhão pipa velho e enferrujado, estacionado sob o sol, e era consumida sem tratamento. Não havia instalações sanitárias nem local adequado para banho e as refeições eram preparadas ao lado do ônibus, em fogão improvisado no chão.
Liberdade de locomoção
Os acusados foram absolvidos em primeiro grau e no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que, apesar de reconhecer a precariedade do local e a violação dos direitos trabalhistas, entendeu não estar caracterizada a condição análoga à de escravidão, pelo fato de os trabalhadores não terem demonstrado restrição à sua liberdade de locomoção.
Mas para o relator do recurso no STJ, ministro Sebastião Reis Júnior, “os fatos demonstrados no processo – condições degradantes de trabalho, ausência de instalações sanitárias, alojamento inadequado e falta de equipamentos de proteção individual – são suficientes, conforme a jurisprudência, para caracterizar o delito”.
Segundo o ministro, o artigo 149 do Código Penal estabelece tipo misto alternativo, que se configura mediante a submissão de alguém a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho ou restrição da liberdade de locomoção.
“Crime plurissubsistente”
“Trata-se de crime plurissubsistente, cuja tipicidade se aperfeiçoa com a verificação de qualquer das condutas previstas, independentemente da ofensa ao bem jurídico liberdade de locomoção”, explicou.
Na avaliação do relator, as circunstâncias do caso em análise configuram condições degradantes de trabalho, caracterizando o delito previsto no artigo 149.
Extrema vunerabilidade
“São pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, aliciadas em contexto de miserabilidade e, consequentemente, propensas à submissão a condições desumanas que objetivam tão somente a redução máxima dos custos da atividade empresarial”, afirmou, ressaltando que os acusados “tinham pleno conhecimento das condições a que submetiam os empregados”.
Sebastião Reis Júnior concluiu que o acórdão do TRF1, ao exigir demonstração de cerceamento da liberdade de ir e vir para configuração do crime, aplicou incorretamente o artigo 149 do Código Penal, contrariando a jurisprudência consolidada do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF).
— Com informações do STJ



