Por Hylda Cavalcanti
Desde o dia 25 de outubro, quando a presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Teixeira Rocha, se manifestou durante ato ecumênico realizado na Catedral da Sé, em São Paulo, em homenagem a vítimas da ditadura militar — em especial os 50 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog — o STM tem sido alvo de um ambiente interno de discussões e insatisfações.
Embora seja, tradicionalmente, uma das Cortes superiores com colegiado considerado dos mais discretos, o clima esquentou quando a presidente, durante o ato, reconheceu publicamente o que chamou de “equívocos judiciários” cometidos pela Justiça Militar da União (JMU) no período da ditadura militar. E pediu perdão à população.
“Peço perdão à sociedade brasileira e à história do país pelos equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário. Recebam meu perdão, a minha dor e a minha resistência”, declarou Elizabeth, que na ocasião foi aplaudida de pé.
Divergências na Corte
Poucos dias depois, o ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, também do STM — detentor de uma vaga da Marinha no colegiado — se manifestou. Em sessão do Tribunal que não contou com a presença da ministra, na última quinta-feira (30/10), ele disse que Maria Elizabeth “deveria estudar um pouco mais de história para opinar sobre a situação no período histórico a que ela se referiu e sobre as pessoas a quem pediu perdão”.
Nos bastidores, o que se diz é que o ministro foi escolhido, dentre outros colegas que não concordaram com o pedido público de perdão feito pela presidente, para externar a insatisfação dos integrantes do Tribunal com o episódio.
Tréplica indicando “misoginia”
Com seu estilo discreto, embora seja do tipo que não abre mão de expor suas ideias, e também conhecida como defensora do feminismo e dos direitos humanos, a magistrada replicou o colega durante a sessão desta terça-feira (04/11).
Ao falar sobre o ocorrido, ela disse que foi alvo de misoginia. “A divergência de ideias é legítima. O que não é legítimo é o tom misógino, travestido de conselho paternalista sobre estudar um pouco mais a história da instituição, adotado pelo interlocutor. Uma instituição que integro há quase duas décadas e bem conheço”, ressaltou.
“Essa agressão desrespeitosa não atinge apenas esta magistrada, atinge a magistratura feminina como um todo, a quem devo respeito e proteção”, acrescentou a presidente. Com relação ao ministro Carlos Augusto, a ministra acrescentou que “jamais teria o que dizer em seu nome”. E acrescentou que o pedido simbólico de perdão “não teve o sentido de humilhação ou cunho político-partidário”.
Comparação com gesto de Barroso
“Cumpre-me esclarecer que o gesto de pedir perdão não revisou o passado com intuito de humilhação, nem, tampouco, revestiu-se de ato político-partidário. Foi ato de responsabilidade pública, inscrito na melhor tradição das instituições que reconhecem falhas históricas, para que não se repitam”, colocou.
A magistrada afirmou ainda que o pedido foi feito em caráter pessoal, como presidente do STM, sem representar os demais ministros. Lembrou sua trajetória acadêmica e profissional e o simbolismo de ser a primeira mulher a ocupar a presidência do tribunal em 217 anos.
“Foi um ato de responsabilidade pública, inscrito na melhor tradição das instituições , assim como fez o ministro Luís Roberto Barroso, que em 2024 — como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) — pediu perdão a Maria da Penha em nome do Judiciário. Tais manifestações devem ser vistas como demonstrações de maturidade democrática”, pregou.
Prejuízos à imagem do STM
O ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira negou ter adotado postura misógina e sugeriu que a colega consultasse os demais integrantes do Tribunal antes de tomar iniciativas como a observada durante o ato em São Paulo. Porque, de acordo com ele, esse tipo de gesto “pode prejudicar a imagem da Corte”.
Com seu jeito de sempre, ao mesmo tempo destemido e conciliador, Maria Elizabeth ouviu e ficou calada, dando a entender que, enquanto estiver no comando do STM, agirá e dirá o que bem entender. Jornalistas, advogados e servidores que estão acostumados a circular pelo STM não viram excepcionalidade no fato, a não ser pela crítica feita pelo ministro.
Perfil da ministra é conhecido
A ministra foi a primeira mulher a integrar o STM, a primeira integrante do colegiado a defender a abertura dos arquivos da Corte de processos relacionados ao período da ditadura militar e sempre tem se posicionado em defesa dos direitos humanos, tendo sido voto divergente em diversos julgamentos.
Não seria, portanto, num evento em homenagem às vítimas da ditadura militar que ficaria calada. “O que vimos foi a ministra Maria Elizabeth sendo e agindo como sempre foi. Não será uma crítica feita durante qualquer sessão do STM que a deixará quieta”, disse um advogado que pediu para não ser identificado, ao elogiar a independência da atual presidente do Tribunal.
“Podemos esperar outros gestos parecidos até o final do seu mandato”, destacou um servidor próximo do gabinete da atual presidente. Com a confusão encerrada (ao menos oficialmente) a pergunta que não quer calar é: Será que com mais uma mulher no colegiado — Verônica Stermann, empossada recentemente — pode-se dizer que o STM não será mais o mesmo? Só o tempo poderá responder.



