Governo critica texto por manter conflitos de normas e enfraquecer papel da União
A quinta versão do substitutivo ao Projeto de Lei 5582/2025, conhecido como PL Antifacção, apresentada pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), continua provocando forte reação no governo federal. Apesar de ajustes formais e estéticos, a proposta é considerada pelo Ministério da Justiça como tecnicamente frágil e politicamente motivada.
Nome e apresentação mudam, mas problemas persistem
Uma das primeiras mudanças identificadas é a retirada do termo “ultraviolento” do subtítulo do projeto, agora descrito apenas como “Marco Legal do Enfrentamento ao Crime Organizado”. Para o governo, a alteração é puramente cosmética. O conceito de organização criminosa “ultraviolenta” continua no texto, assim como os problemas associados a essa classificação paralela à Lei 12.850/2013.
Segundo o secretário nacional de Justiça, Marivaldo Pereira, a criação de uma definição distinta para facções gera insegurança jurídica e pode abrir caminho para nulidades e prescrições. “É a tese perfeita para ganhar tempo”, afirmou.
Falta de previsão para a atuação federal é mantida
Outro ponto criticado é a ausência de referências à Polícia Federal e à Justiça Federal. Para o Ministério da Justiça, isso representa uma “fragmentação deliberada” do enfrentamento ao crime organizado. “Não existe facção que opere dentro de um único estado”, disse Marivaldo.
Fundo de enfrentamento e repasse de recursos geram embate
O substitutivo cria o Fundo Nacional de Enfrentamento ao Crime Organizado (FUNECO), com a promessa de centralizar os recursos obtidos a partir da apreensão de bens. No entanto, a forma de distribuição é criticada por favorecer os estados em detrimento da União, com base em quem liderou a investigação.
Além disso, o texto é acusado de violar o artigo 243 da Constituição, ao retirar recursos de fundos constitucionais obrigatórios. “Essa transferência é absolutamente inconstitucional”, afirmou o secretário.
Alienação de bens e perdimento: retrocesso mantido
Outro retrocesso apontado é a retirada do mecanismo de alienação antecipada de bens, vigente desde 2019. A quinta versão exige trânsito em julgado para o leilão, o que, na prática, congela o uso desses recursos por anos.
O texto também deixa de prever o perdimento de bens mesmo após prescrição, absolvição ou morte, o que, segundo o governo, protege patrimônio de facções transferido para terceiros.
Penalidades duras, mas sem inteligência penal
A proposta endurece penas, prevendo de 20 a 40 anos de prisão, e veda benefícios como indulto e anistia. No entanto, especialistas apontam que isso não diferencia liderança de base, comprometendo a efetividade da punição.
“É um texto duro na estética e frágil na engenharia”, resumiu Marivaldo. Segundo ele, o projeto mira soldados do tráfico, mas não atinge os chefes.
Críticas da sociedade civil e riscos constitucionais
Bruno Salles, advogado e coordenador do Grupo Prerrogativas, concorda com o governo. Para ele, o texto tem foco populista e cria insegurança jurídica ao estabelecer conceitos concorrentes aos da legislação vigente.
Salles alerta ainda para o risco de enquadrar manifestantes e moradores de comunidades sob a rubrica de organização criminosa, o que poderia criminalizar indivíduos sem ligação direta com facções.
Outro ponto sensível é a tentativa de retirar a competência do Tribunal do Júri para homicídios ligados a facções, passando a decisão a um colegiado de juízes. Especialistas apontam risco de inconstitucionalidade nesse trecho.
Conclusão: impasse entre técnica e política
O governo avalia que o relator insiste em um projeto com função mais política do que prática. “Se quisesse resolver o problema, trabalharia sobre o texto do Executivo”, afirma Marivaldo. Para ele, a quinta versão, como as anteriores, repete erros e não oferece solução concreta para o enfrentamento ao crime organizado.
O impasse deve se prolongar, com novas tentativas de articulação e pressão nos bastidores da Câmara.



