Por Carolina Villela
O plenário do Supremo Tribunal Federal declarou na quarta-feira (19) a inconstitucionalidade material da lei estadual do Rio de Janeiro que obrigava companhias aéreas brasileiras a transportar gratuitamente animais de suporte emocional na cabine de aeronaves. A norma estabelecia que o transporte deveria ser garantido em rotas nacionais que tivessem o estado como origem ou destino. A Corte também converteu o referendo da medida cautelar, que já havia suspendido a norma, em julgamento de mérito e julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)7754 procedente.
Relator aponta conflito com normas federais
O ministro André Mendonça, ao complementar seu voto, destacou que a resolução da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estabelece critérios objetivos em relação a animais de assistência emocional ou cães-guia, sendo mais abrangente que a lei fluminense. Segundo o relator, a norma federal não se limita ao aspecto psiquiátrico nem condiciona a exigência de laudo médico, ao contrário do que prevê a legislação estadual.
Para Mendonça, não há como interpretar a lei do Rio de Janeiro como uma complementação da legislação federal, uma vez que ela apresenta parâmetros diversos e, em alguns aspectos, menos protetivos. O ministro ressaltou que a regra da Anac não limita o número de animais e, por se tratar de passageiros com necessidade de assistência especial, o embarque não pode ser negado, exceto nas hipóteses expressamente definidas na legislação federal.
O relator também apontou que as normas federais preveem que os passageiros acompanhados de cães-guia sejam acomodados em fileiras com espaços extras, garantia que não consta da lei estadual. Além disso, destacou que a norma do Rio de Janeiro apresenta proteção insuficiente para os passageiros, especialmente às pessoas com deficiência.
Lei estadual cria insegurança jurídica, diz Mendonça
Segundo o ministro André Mendonça, a lei estadual estabelece parâmetros amplos e indeterminados, o que acaba aumentando a insegurança jurídica e permitindo casuísmos. A norma também autoriza a recusa do transporte do animal por motivos operacionais, possibilidade que gera incertezas para os passageiros que dependem desses animais.
Outro ponto crítico apontado pelo relator é que a lei fluminense autoriza a cobrança de tarifas pelo transporte dos animais, enquanto as normas federais não permitem cobrança em qualquer hipótese. Essa divergência, segundo Mendonça, representa um retrocesso na proteção aos direitos das pessoas com deficiência e cria um ambiente de menor proteção do que o estabelecido pela União.
Com base nesses argumentos, o ministro defendeu a competência exclusiva da União para normatizar o assunto e votou pela declaração de inconstitucionalidade da lei estadual do Rio de Janeiro. Para Mendonça, a matéria envolve aspectos técnicos de segurança e operação de transporte aéreo que devem seguir padrões nacionais e internacionais uniformes.
Moraes abre divergência e reconhece competência concorrente
O ministro Alexandre de Moraes, que havia pedido vista do processo, abriu divergência e ressaltou que a questão não se resume apenas a matéria de transporte aéreo. Segundo Moraes, trata-se de um direito constitucional garantir assistência às pessoas com necessidades especiais, tema sobre o qual os estados têm competência para legislar de forma concorrente com a União.
O ministro citou a Convenção de Nova York sobre aviação civil como norma geral que deve ser observada e considerou que a lei é formalmente constitucional. Para Moraes, compete aos estados complementar a legislação federal, principalmente no sentido de ampliação dos direitos das pessoas com deficiência no transporte aéreo com animais de assistência.
No entanto, Moraes concordou com o resultado final do julgamento ao reconhecer que a lei fluminense estabelece normas que representam um retrocesso na proteção, sendo materialmente inconstitucional. O ministro votou pela inconstitucionalidade material da norma, acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Dias Toffoli, Edson Fachin e pela ministra Cármen Lúcia.
Ministros dividem-se sobre fundamentos da decisão
O ministro Flávio Dino acompanhou Moraes pela inconstitucionalidade material, reconhecendo que os estados possuem competência para legislar em matéria de direitos de pessoas com deficiência, mas concordando que, no caso concreto, a lei representava retrocesso. Já o ministro Cristiano Zanin entendeu que cabe somente à União legislar sobre o tema e ressaltou que o Brasil precisa seguir os padrões internacionais de segurança sobre aviação civil.
Zanin acompanhou o relator pela procedência da ação, mas com fundamento diverso, centrando sua argumentação na competência exclusiva federal para legislar sobre aviação civil. O ministro Luiz Fux também aderiu ao voto de Mendonça, reforçando a tese da competência privativa da União.



