Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve por unanimidade, nesta quinta-feira (9), a norma que estabelece regras sobre honorários advocatícios em acordos judiciais trabalhistas, determinando que cada parte arque com os custos de seus próprios advogados, mesmo quando houver condenação transitada em julgado. A decisão foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2527, que questionava a constitucionalidade da Medida Provisória 2.226/2001, que tramitava há quase 24 anos no Supremo.
A medida provisória, editada em 2001, promoveu alterações significativas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e na Lei 9.469/1997. Em agosto de 2007, o STF havia concedido liminar parcial para suspender o artigo 3º da norma, mas somente agora, quase duas décadas depois, o mérito da questão foi analisado pelo plenário.
Processo histórico completa quase “bodas de prata”
Durante a sessão de julgamento, a ministra Cármen Lúcia apresentou um resumo dos fatos e enfatizou o tempo incomum de tramitação. “Este é um caso que está a completar quase bodas de prata de tramitação, 24 anos já”, afirmou a relatora.
A questão ganhou novos contornos com a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, também em 2001, que reformulou as regras para aprovação de medidas provisórias pelo Congresso Nacional. A emenda estabeleceu requisitos mais rígidos para análise e validade dessas normas, determinando que uma Medida Provisória só teria seu uso limitado caso não fosse convertida em lei. No entanto, as MPs que já estavam em vigor foram automaticamente prorrogadas, situação que se aplica à norma em questão.
Diante desse cenário jurídico, a ministra Cármen Lúcia argumentou que não seria oportuno discutir neste momento os requisitos de relevância e urgência da medida, considerando que a norma permanece vigente há mais de duas décadas. A relatora enfatizou que a análise deve considerar a realidade atual e os impactos práticos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade.
Perda parcial de objeto e manutenção da transcendência
Em seu voto, a ministra julgou o pedido parcialmente prejudicado por perda superveniente de objeto em relação aos artigos 2° e 3° da Medida Provisória, que já foram revogados pela legislação posterior. Na parte remanescente, referente ao artigo 1° da MP, que estabeleceu o instituto da transcendência no direito trabalhista, Cármen Lúcia julgou improcedente a ação, mantendo a eficácia da norma não convertida em lei, mesmo após mais de duas décadas de sua edição.
A relatora fez um apelo direto ao Congresso Nacional para que discipline adequadamente a matéria. O instituto da transcendência funciona como um filtro recursal, permitindo que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) selecione quais casos possuem relevância suficiente para análise em instâncias superiores.
O ministro Gilmar Mendes, ao acompanhar o entendimento da relatora, criticou a postura da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no caso. Citando a sustentação oral da advogada da entidade, o ministro classificou a atuação da OAB como investimento “de forma muito brava” na judicialização. “Eu sei que isso é muito lucrativo para os advogados”, afirmou Mendes, argumentando que é necessário estabelecer critérios para evitar o assoberbamento da Justiça.
Críticas à judicialização e defesa dos filtros recursais
O decano do Tribunal dirigiu um recado direto à OAB, afirmando que “é bom se se colocar a mão na consciência e se fazer uma autocrítica, se não quiser receber outro tipo de crítica”. Gilmar Mendes completou dizendo que “não se pode usar o aparelho institucional para investir energia na judicialização”, defendendo a necessidade de filtros que permitam à Justiça funcionar de forma mais eficiente.
O ministro Flávio Dino também se manifestou sobre o tema, abordando as reclamações frequentes sobre a chamada autocontenção judicial. Segundo o ministro, o debate é “muito mal posto” e os filtros recursais como transcendência e repercussão geral não são indesejáveis. “Longe de ser indesejável a existência desses filtros se concretiza um valor constitucional, um direito fundamental”, afirmou Dino.
O ministro seguiu a relatora e destacou dois vetores decisivos apontados por ela: o primeiro relacionado à segurança jurídica e o segundo ao paradigma consequencialista, que considera as consequências práticas da decisão judicial.
Além de Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Flávio Dino, também votaram pela rejeição da ADI os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli e Edson Fachin.
OAB
A advogada Roseline Morais, representando a OAB durante o julgamento, ressaltou que parte dos dispositivos que alteraram as leis trabalhistas perdeu o objeto com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista de 2017. No entanto, defendeu que ainda restam questões que necessitam de análise cuidadosa do Supremo, especialmente quanto à aplicação prática do instituto da transcendência.
A OAB sugeriu que eventuais modulações de efeitos fossem acompanhadas de três padrões vinculantes durante um período de transição de 24 meses. Entre as propostas estava a exigência de motivação qualificada na análise de transcendência, com indicação expressa dos fundamentos legais; o respeito à colegialidade nas decisões; e a garantia de sustentação oral e publicidade nas questões de transcendência.