Da redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira (13) o julgamento que pode definir se o intervalo do recreio deve ser contabilizado como parte da jornada de trabalho dos docentes em todo o país. O caso chegou ao Supremo por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1058, apresentada pela Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (Abrafi), que contesta entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Segundo o entendimento do TST, o professor permanece à disposição do empregador durante o recreio, devendo esse período ser remunerado como parte da jornada de trabalho. O julgamento foi suspenso na quarta-feira após o voto de quatro ministros – Flávio Dino, Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso (aposentado) – formarem uma possível maioria favorável aos docentes. O relator, ministro Gilmar Mendes, reajustou seu voto no decorrer da sessão, incorporando sugestões e sinalizando mudança de posição.
Do virtual ao físico: entenda a tramitação
Inicialmente, o processo estava sendo analisado no plenário virtual do STF, mas foi transferido para o plenário físico após pedido de destaque do ministro Edson Fachin. O relator, ministro Gilmar Mendes, havia votado inicialmente para aceitar a ação das mantenedoras, posição que foi contestada pelo ministro Flávio Dino, que abriu divergência.
Dino votou para reconhecer que o recreio escolar e os intervalos de aula integram efetivamente a jornada de trabalho dos professores. Na avaliação do ministro, esse tempo deve ser considerado como período em que o trabalhador está à disposição do empregador, mesmo que não esteja em sala de aula ministrando conteúdo. Segundo a tese proposta, o intervalo constitui, em regra, tempo à disposição do professor, com exceção apenas nos casos em que o docente permanecer na escola exclusivamente para tratar de assuntos pessoais.
Os ministros Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes seguiram o voto divergente de Dino. Essa tendência foi reforçada pelos votos subsequentes de Edson Fachin e Cármen Lúcia, que também se posicionaram pelo reconhecimento do recreio como parte da jornada de trabalho.
Relator reajusta posição e incorpora sugestão
Na tarde de quarta-feira, o ministro Gilmar Mendes reajustou seu voto, incluindo sugestão feita por Flávio Dino. O relator passou a reconhecer que cabe ao empregador o ônus de comprovar que o recreio foi utilizado para atividades pessoais do professor, e não para fins profissionais.
O decano do Tribunal esclareceu que o Supremo tem aceitado a admissibilidade de ADPFs contra conjuntos de decisões judiciais da Justiça do Trabalho e propôs a conversão do referendo da medida cautelar em análise de mérito. Mendes considerou que a presunção absoluta reconhecida pelo TST, por não admitir prova em contrário e criar regra geral sem respaldo legislativo, seria inconstitucional.
Para o ministro, a decisão da Justiça do Trabalho não tem base legal e afronta os princípios da legalidade, da livre iniciativa e da intervenção mínima na autonomia coletiva entre professores e instituições de ensino. Segundo seu entendimento, empregadores e trabalhadores poderiam negociar livremente as condições de trabalho por meio de acordos e convenções coletivas. Ao final, Mendes votou para aceitar parcialmente a ação e confirmar a liminar que suspendeu os processos sobre o tema no país.
Fachin questiona admissibilidade da ação
O presidente do STF, ministro Edson Fachin, divergiu do relator e votou para não acolher o pedido das mantenedoras. Na avaliação de Fachin, o requisito da subsidiariedade – item necessário para admitir uma ADPF – não foi atendido no caso. O ministro ressaltou que existem outros meios eficazes para impugnação de decisões judiciais, tornando desnecessário o uso desse instrumento constitucional de natureza excepcional.
Ao fundamentar seu posicionamento, Fachin citou casos semelhantes já julgados pelo Supremo e ressaltou que a ADPF serve para tutelas de natureza objetiva, e não para questionar situações jurídicas individuais. O ministro sustentou ainda que o entendimento adotado pelo TST representa interpretação possível da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não havendo ilegalidade na decisão contestada pelas instituições de ensino.
Segundo Fachin, a decisão do TST se baseia no princípio da primazia da realidade, pelo qual os fatos reais de uma relação de trabalho prevalecem sobre os documentos formais. O ministro afirmou que a vivência prática evidencia que, no intervalo entre aulas, o professor permanece subordinado ao que denominou de “dinâmica institucional”, estando à disposição do empregador para atender demandas que possam surgir, como orientação de alunos ou questões administrativas.
Cármen Lúcia reconhece direitos fundamentais
A ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto de Flávio Dino ao reconhecer que o recreio escolar integra a jornada de trabalho do professor, uma vez que o docente permanece à disposição da escola, mesmo que não esteja ministrando aulas. Para a ministra, a questão transcende aspectos meramente processuais e atinge direitos fundamentais dos trabalhadores, especialmente o princípio da dignidade e a valorização do trabalho.
Segundo Cármen Lúcia, a preliminar de subsidiariedade foi superada pelo fato de a questão envolver direitos fundamentais. Para a ministra, o período de recreio não representa tempo livre, mas sim momento de interação e presença obrigatória do professor no ambiente escolar, o que justifica sua inclusão na jornada remunerada.
A ministra fez ressalvas apenas para os casos em que o empregador comprovar, em situações específicas, que o docente estava efetivamente liberado para outras atividades durante o intervalo. Essa posição se alinha com a tese defendida por Flávio Dino, que transfere ao empregador o ônus da prova sobre a não utilização do período para fins profissionais.
Instituições alertam para impacto financeiro
Diego Felipe Donoso, representante da Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades, argumentou que o TST violou a ordem constitucional ao estabelecer a presunção absoluta de que o recreio integra a jornada. O advogado alertou que a manutenção do entendimento da justiça trabalhista pode afetar centenas de ações coletivas e resultar no fechamento de diversas unidades educacionais pelo país, especialmente em regiões mais vulneráveis economicamente.
Daniel Cavalcanti, advogado da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino (Abmes), alegou que transformar o intervalo para recreio em presunção absoluta de que o profissional está à disposição da instituição causará descontextualização da vida acadêmica. Segundo ele, a medida limitaria o diálogo entre professores e instituições, impedindo negociações coletivas sobre as condições de trabalho.
As entidades que representam as mantenedoras sustentam que o impacto financeiro da decisão pode comprometer a sustentabilidade de instituições de ensino, especialmente as de menor porte, gerando demissões e redução na oferta de vagas educacionais.
Entidades sindicais defendem TST
Por outro lado, o advogado Mateus Bandeira, representando o Sindicato de Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal, ressaltou que os pareceres da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia-Geral da União (AGU) indicaram a rejeição da ação. Segundo ele, o caso não atende aos requisitos de admissibilidade da ADPF e trata-se apenas de interpretação de norma da CLT, matéria que deveria ser resolvida na Justiça do Trabalho.
Ulisses Borges, representando a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), defendeu a improcedência do pedido das mantenedoras. O advogado argumentou que o próprio Ministério da Educação (MEC) atribui funções aos professores durante o intervalo, aspecto que, por si só, deveria confirmar a decisão do TST de incluir o período na jornada de trabalho remunerada.
As entidades sindicais sustentam que a decisão do TST apenas reconhece uma realidade já vivenciada pelos professores, que permanecem à disposição das escolas durante os intervalos, não configurando tempo livre para uso pessoal.
Outras pautas do plenário
Além do caso sobre o recreio dos professores, outros temas importantes estão previstos na pauta do plenário do STF. Entre eles, destaca-se um agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra decisão do ministro Cristiano Zanin, que rejeitou recurso sobre pagamento de vantagens a servidores públicos municipais por não ter demonstrada a repercussão geral da matéria.
Outro processo na pauta questiona a possibilidade de acumulação de benefício por regime especial de trabalho para guardas municipais com o exercício de função de confiança. O caso chegou ao Supremo por meio de agravo regimental contra decisão do ministro Flávio Dino, que negou seguimento ao recurso. Os ministros também devem proclamar o resultado de recurso contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que considerou inconstitucional lei distrital sobre financiamento de infraestrutura pública, originária de projeto de iniciativa parlamentar.



