Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, no plenário virtual, quem deve arcar com os salários de vítimas de violência doméstica que precisam se afastar do trabalho devido a medidas protetivas da Lei Maria da Penha. O tema ganhou repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1520468 (Tema 1370). Os ministros podem apresentar os votos até o dia 18 de agosto.
A controvérsia surge após decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que validou determinação da Justiça estadual para que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) arcasse com os salários de uma beneficiária de medida protetiva.
Lei Maria da Penha garante estabilidade, mas não define fonte de recursos
Segundo a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, mulheres beneficiadas por medida protetiva têm garantia de emprego por até seis meses quando necessário o afastamento do local de trabalho. A norma estabelece a proteção trabalhista, mas não esclarece quem deve custear os salários durante esse período, criando impasse jurídico que chegou ao Supremo.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contestou a decisão do TRF-4, argumentando que não é possível estender a proteção previdenciária a situações onde não há incapacidade laboral provocada por lesão física. A autarquia sustenta ainda que apenas a Justiça Federal possui competência para deliberar sobre pagamento de benefícios previdenciários ou assistenciais.
Flávio Dino diz que pagamento deve ser feito pela justiça estadual
Para o ministro Flávio Dino, relator do recurso, cabe à Justiça estadual, em cada caso, ao determinar a medida de afastamento do local de trabalho da mulher vítima de violência doméstica, analisar a necessidade de fixar benefício assistencial eventual que faça frente à situação de vulnerabilidade temporária.
O relator negou o recurso e manteve a decisão do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Toledo/PR que determinou que o INSS garantisse o afastamento remunerado mediante a concessão de benefício análogo ao auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença). Até o momento, Dino foi acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Tese proposta pelo relator
“1) Compete ao juízo estadual, no exercício da jurisdição criminal, especialmente aquele responsável pela aplicação da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), fixar a medida protetiva prevista no art. 9º, § 2º, II, da referida lei, inclusive quanto à requisição de pagamento de prestação pecuniária em favor da vítima afastada do local de trabalho, ainda que o cumprimento material da decisão fique sob o encargo do INSS e
do empregador;
2) Nos termos do que dispõe o art. 109, I, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar as ações regressivas que, com fundamento no art. 120, II, da Lei nº 8.213/1991, deverão ser ajuizadas pela Autarquia Previdenciária Federal contra os responsáveis nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher;
3) A expressão constante da Lei (“vínculo trabalhista”) deve abranger a proteção da mulher visando à manutenção de sua fonte de renda, qualquer que seja ela, da qual tenha que se afastar em face da violência sofrida, conforme apreciação do Poder Judiciário. A prestação pecuniária decorrente da efetivação da medida protetiva prevista no art. 9º, § 2º, II, da Lei nº 11.340/2006 possui natureza previdenciária ou assistencial, conforme o vínculo jurídico da mulher com a seguridade social:
(i) previdenciária, quando a mulher for segurada do Regime Geral de Previdência Social, como empregada, contribuinte individual, facultativa ou segurada especial, hipótese em que a remuneração dos primeiros 15 dias será de responsabilidade do empregador (quando houver), e o período subsequente será custeado pelo INSS, independentemente de cumprimento de período de carência. No caso de inexistência de relação de emprego de segurada do Regime Geral de Previdência Social, o benefício será arcado integralmente pelo INSS;
(ii) assistencial, quando a mulher não for segurada da previdência social, hipótese em que a prestação assume natureza de benefício eventual decorrente de vulnerabilidade temporária, cabendo ao Estado, na forma da Lei nº 8.742/1993 (LOAS), prover a assistência financeira necessária. Nesse caso, o juízo competente deverá atestar que a mulher destinatária da medida de afastamento do local de trabalho não possuirá, em razão de sua implementação, quaisquer meios de prover a própria manutenção.
Três pontos aguardam definição do Supremo
O julgamento do STF deverá responder três questões fundamentais que impactarão a vida de mulheres em situação de violência doméstica em todo o país. Primeiro, se compete ao INSS arcar com o pagamento do salário da vítima afastada por até seis meses, conforme previsto na Lei Maria da Penha.
O segundo ponto refere-se à natureza jurídica do benefício: se deve ser classificado como assistencial ou previdenciário. Por fim, o Supremo definirá qual esfera da Justiça – estadual ou federal – possui competência para determinar o pagamento.



