Da Redação
Depois de quase seis anos de tramitação processual, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou, nesta quarta-feira (15/10), o desembargador Évio Marques da Silva, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), por crime de lesão corporal leve contra sua ex-esposa, com quem era casado na época, em caso de violência doméstica e familiar.
O episódio, apesar de tramitar sob sigilo judicial, teve grande repercussão entre magistrados e advogados de estados do Nordeste. O magistrado está afastado do cargo no TJPE desde abril do ano passado.
Materialidade e autoria do delito
A Corte Especial do STJ é o órgão colegiado máximo do Tribunal, composto sempre pelos 15 ministros mais antigos. É responsável por julgar casos de grande repercussão, como questões em que há divergência de interpretação da lei federal entre diferentes turmas do Tribunal e ações penais contra autoridades (governadores, desembargadores, etc.).
No caso de Évio Marques Silva, os ministros reconheceram “a materialidade e a autoria do delito, com base na palavra da vítima e em laudos psicossociais que confirmaram danos físicos e emocionais a ela, destacando a gravidade da conduta”.
O processo foi iniciado a partir de denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o magistrado em janeiro de 2020, pela prática do crime de lesão corporal, previsto no artigo 129 do Código Penal no contexto de violência doméstica e familiar no município de Igarassu (PE).
Medidas protetivas de urgência
Conforme a denúncia do MPF, o desembargador teria agredido a então esposa de forma que lhe provocou escoriações e outros machucados e o caso resultou na concessão de medidas protetivas de urgência. Também foi alegado que além da violência física, sua então esposa também sofreu violência psicológica.
A defesa do magistrado, no entanto, argumentou incompetência por parte do STJ para julgar o caso, uma vez que o fato não estava relacionado com o exercício do cargo ocupado por ele. Assim, pediu a rejeição da denúncia por ausência de provas. Mas o relator do processo, ministro Antonio Carlos Ferreira, recebeu a denúncia e reconheceu a competência do Tribunal para julgar desembargadores mesmo quando o crime não guarda relação com a função pública
À luz da Lei Maria da Penha
Ferreira destacou, no seu relatório/voto, que o delito deve ser interpretado à luz da Lei Maria da Penha e das diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instrumentos que orientam o Judiciário a considerar o contexto estrutural de desigualdade e vulnerabilidade da mulher.
De acordo com o relator, “o bem jurídico tutelado pela norma não é apenas individual, mas também social, pois cabe ao Estado resguardar a incolumidade física e mental da pessoa vítima de violência doméstica”.
A decisão reconheceu que a materialidade está comprovada por boletim de ocorrência, laudo traumatológico e laudos psicossociais, que evidenciaram lesões físicas e sofrimento emocional por parte da mulher. E destacou também, o depoimento da vítima e de testemunhas que presenciaram a discussão.
Culpabilidade elevada
Para estabelecer a pena, o ministro considerou a culpabilidade elevada, em razão do cargo público e do alto grau de escolaridade do réu. Motivo pelo qual aplicou a agravante do motivo fútil, conforme estabelece o Código Penal (CP).
A pena-base foi fixada, então, em quatro meses de detenção, aumentada para quatro meses e vinte dias em regime inicial aberto, sem substituição por restritiva de direitos nem suspensão condicional, por se tratar de crime praticado com violência à pessoa. Na parte cível, o ministro relator aplicou o entendimento do Tema 983 do STJ, segundo o qual o dano moral em casos de violência doméstica é presumido (in re ipsa), e fixou indenização mínima de R$ 30 mil.
Segundo ele, “o valor deve refletir não apenas o sofrimento da vítima, mas também o compromisso do Estado em concretizar a igualdade material entre os gêneros”. O voto de Antônio Carlos Ferreira foi acompanhado por unanimidade pelo colegiado da Corte Especial do STJ.
— Com informações do STJ