Da redação
A 1ª Câmara Especial Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu nesta terça-feira (26) reduzir as penas dos quatro réus condenados pela tragédia da Boate Kiss. Em julgamento dos recursos defensivos, o colegiado recalculou a dosimetria das condenações estabelecidas pelo júri popular em dezembro de 2021, diminuindo as punições, mas mantendo as prisões dos acusados.
A decisão representa uma reviravolta no caso que comoveu o país há mais de 12 anos. Os sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, tiveram suas penas fixadas em 12 anos de reclusão, enquanto os integrantes da Banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, foram condenados a 11 anos de prisão cada. As reduções chegaram a mais de 10 anos em alguns casos.
Relatora recalcula dosimetria e mantém condenações
A relatora do processo, desembargadora Rosane Wanner da Silva Bordasch, deu parcial provimento aos recursos defensivos, promovendo uma revisão técnica das penas aplicadas no tribunal do júri. A magistrada rejeitou, no entanto, a principal tese defensiva de que a decisão dos jurados teria sido contrária às provas apresentadas nos autos.
Durante o julgamento original, realizado entre 1º e 10 de dezembro de 2021, as condenações haviam sido bem mais severas. Elissandro Spohr recebeu inicialmente 22 anos e 6 meses de prisão, Mauro Hoffmann foi condenado a 19 anos e 6 meses, enquanto Marcelo dos Santos e Luciano Leão receberam 18 anos de reclusão cada.
O voto da relatora foi acompanhado unanimemente pelos desembargadores Luiz Antônio Alves Capra e Viviane de Faria Miranda. A sessão foi conduzida pelo desembargador Luciano André Losekann, presidente da Câmara, e ainda cabe recurso da decisão.
Defesas pleiteavam novo júri ou redução de penas
O julgamento desta manhã teve início com as sustentações orais dos advogados de defesa. Jader da Silveira Marques representou Elissandro, Bruno Seligman de Menezes defendeu Mauro, Tatiana Borsa falou por Marcelo, e Jean de Menezes Severo representou Luciano. Todas as defesas argumentaram inicialmente pela necessidade de realização de novo júri popular.
Os defensores sustentaram que a decisão dos jurados no primeiro julgamento teria sido contrária às provas dos autos, justificando a anulação das condenações. Como pedido subsidiário, caso não fosse aceita a tese principal, pleitearam o redimensionamento das penas fixadas naquele julgamento, argumentação que acabou sendo parcialmente acolhida pelo tribunal.
O Ministério Público foi representado pela procuradora de Justiça Irene Soares Quadros, que se posicionou contrariamente aos pedidos das defesas. Em sua manifestação, a representante do MP sustentou a culpabilidade dos réus, destacou a intensidade do sofrimento das vítimas e ressaltou as graves consequências do fato para sobreviventes, familiares e toda a cidade de Santa Maria.
Tragédia completou 12 anos com 242 mortes
O incêndio na Boate Kiss ocorreu na madrugada de 27 de janeiro de 2013, durante uma festa universitária que reunia centenas de jovens no estabelecimento localizado em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul. Durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, um artefato pirotécnico foi acionado no palco, e as faíscas atingiram o teto revestido com espuma altamente inflamável.
As chamas se espalharam com rapidez assustadora pelo ambiente fechado, que tinha problemas estruturais de segurança e dificuldades de saída de emergência. A tragédia resultou na morte de 242 pessoas, a maioria jovens universitários, e deixou outras 636 pessoas feridas, muitas com sequelas permanentes.
O caso se tornou um marco na discussão sobre segurança em casas noturnas no Brasil, gerando mudanças na legislação e maior fiscalização de estabelecimentos do gênero. As famílias das vítimas acompanharam presencialmente o julgamento desta terça-feira no TJRS.
Processo atravessou mais de uma década na Justiça
A tragédia da Boate Kiss gerou um dos processos criminais mais longos e complexos da Justiça gaúcha. A denúncia do Ministério Público foi recebida em abril de 2013, poucos meses após o incêndio. Em julho de 2016, a sentença de pronúncia determinou que os quatro réus deveriam ser submetidos ao tribunal do júri.
O primeiro júri popular ocorreu apenas em dezembro de 2021, quase nove anos após a tragédia, resultando nas condenações que foram parcialmente reformadas nesta terça-feira. O processo passou por diversas instâncias, incluindo anulações e recursos que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em setembro de 2024, o STF restabeleceu as condenações e determinou a prisão dos réus, decisão que foi mantida pela 2ª Turma da Corte em fevereiro de 2025. O tribunal também negou recursos das defesas em abril, permitindo que o TJRS retomasse o julgamento dos recursos defensivos, concluído nesta terça-feira com as reduções das penas.