O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF 6) reconheceu a responsabilidade da União e do Estado de Minas Gerais por violações graves cometidas contra famílias pobres no município mineiro de Santos Dumont. Os dois entes federativos foram condenados a pagar indenizações a cinco vítimas em valores que, totalizados, chegam a R$ 1,8 milhões.
O episódio é referente a um caso que ganhou repercussão nacional e remete a denúncias de abuso de autoridade durante o período de transição, no país, da ditadura militar para a democracia. Foi observado entre os anos de 1985 e 1987, na Zona da Mata de Minas Gerais.
Conforme denúncias formalizadas à Justiça, centenas de crianças foram retiradas à força de suas famílias e enviadas para adoção em outros países, principalmente França e Itália, por meio de um esquema judicial fraudulento que envolveu advogados, religiosas e agentes públicos, como comissários de menores e oficiais de justiça, sob a autoridade do então juiz Dirceu Silva Pinto, já falecido.
Entenda o caso
O julgamento do Tribunal foi de apelação contra decisão de primeira instância da Justiça Federal, que tinha considerado o processo prescrito. Foi ajuizada por três famílias que perderam filhos por meio dessas adoções ilegais. Conforme o voto do relator da ação na Corte, o juiz federal convocado Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, envolve relato de três mães e seus familiares.
Maria Ricardina de Souza teve seu filho Paulo César retirado à força de casa pelas autoridades, sendo presa ao tentar resistir. Seus outros filhos, Maria Concebida Marques e Sebastião de Souza Marques, também sofreram com a perda do irmão. Heloisa Aparecida da Silva perdeu três filhos — Cristiano, Marcos e Claudinei — levados sem o seu consentimento, restando-lhe apenas fotografias.
A terceira mãe citada no voto do relator, Isaura Cândida Sobrinho, viu seus três filhos — Maria Aparecida, Ana Paula e Fabiano — encaminhados irregularmente para adoção, também tendo sido presa. Além disso, Isaura Cândida e Maria Ricardina foram interditadas mediante falsos laudos de insanidade mental.
Vulnerabiliade social
Conforme explicou o relator, todas as famílias encontravam-se em situação de extrema vulnerabilidade social e econômica, o que reforçava não apenas a conscientização sobre os próprios direitos, mas também a adoção de medidas legais para garanti-los.“Especialmente em cidades do interior, nas quais a posição de autoridade dos agentes públicos representava obstáculo ainda maior ao questionamento e à busca por justiça”, afirmou o magistrado.
Gláucio Gonçalves afastou o entendimento anterior que havia reconhecido a prescrição da ação e reformou sentença de primeira instância. Para o juiz federal, “os danos causados às famílias foram de tal gravidade que justificam a adoção de um regime excepcional de responsabilidade civil do Estado”.
A decisão reconhece que a atuação do Estado de Minas Gerais foi “determinante para a concretização das adoções ilegais”, ao passo que a União foi “omissa ao permitir a saída irregular das crianças do país, sem qualquer investigação sobre a legalidade dos processos”. As vítimas, todas mulheres, relataram ter sido presas, interditadas e impedidas de reagir à retirada de seus filhos.
Indenização
Na sentença, o TRF 6 fixou indenizações de R$ 500 mil para cada uma das três mães e de R$ 150 mil para os irmãos das crianças, reconhecendo o abalo emocional e a ruptura precoce dos laços familiares. A divisão da responsabilidade foi estabelecida em 80% para o Estado de Minas Gerais e 20% para a União, com base na atuação de cada um desses entes federativos na cadeia de violações.
No seu voto, o juiz federal convocado também alertou sobre a necessidade de justiça para essas famílias. “As atrocidades cometidas não apenas violaram direitos fundamentais, mas impuseram sofrimento duradouro, rompendo laços familiares de forma definitiva e causando danos emocionais irreparáveis”, afirmou ele.
A decisão foi considerada um marco para o direito à reparação e pode abrir precedentes para outros casos envolvendo adoções irregulares no Brasil. O processo, a Apelação Cível Nº 1000920-39.2017.4.01.3801/MG, não foi liberado pelo tribunal.