Da Redação
Para a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o fato de o tratamento desrespeitoso ser dirigido a todos no ambiente de trabalho é agravante, não atenuante. Com esse entendimento, condenou a construtora Piacentini Tecenge do Brasil Construções Ltda. a pagar R$ 5 mil de indenização a um soldador vítima de assédio moral.
O caso envolve um trabalhador que atuou na construtora entre agosto de 2017 e julho de 2018, em obras localizadas em Minas Gerais e Santa Catarina. Durante esse período, o soldador foi submetido a um ambiente de trabalho hostil, marcado por xingamentos e tratamento degradante por parte de superiores hierárquicos.
A decisão, unânime, estabelece um importante precedente: ofensas dirigidas a todos os trabalhadores, e não apenas a um específico, não descaracterizam o dano individual. Pelo contrário, agravam a responsabilidade da empresa.
“Burro”, “porco” e “brasileiro não serve nem para ser escravo”
Segundo relato apresentado na ação trabalhista, a empresa, de origem italiana, mantinha em seu quadro funcional empregados italianos que ocupavam posições de chefia. Dois deles, especificamente, tratavam os funcionários operacionais com “rispidez, falta de respeito, preconceito e exigências desproporcionais”.
O soldador era frequentemente chamado de “burro” e “porco”. Além disso, era obrigado a ouvir frases carregadas de preconceito e xenofobia, como “brasileiro não serve nem para ser escravo” e “na Itália morreria de fome”. O ambiente de trabalho, portanto, era caracterizado não apenas por pressão profissional, mas por humilhação sistemática e discriminação.
Instâncias inferiores negaram reparação
Em primeira instância, o juízo condenou a construtora a pagar a indenização de R$ 5 mil ao trabalhador, reconhecendo o assédio moral. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) reformou a decisão, entendendo que não havia propósito discriminatório direcionado especificamente ao soldador que iniciou a ação.
Para o TRT, como todos os funcionários eram tratados da mesma forma desrespeitosa, não haveria dano individual a ser reparado. O tribunal regional classificou os xingamentos como mera “forma de o encarregado se impor perante os subordinados”, atribuindo o comportamento abusivo a um “traço de personalidade forte” do superior hierárquico.
TST: ofensas generalizadas são agravantes
A ministra Kátia Arruda, relatora do recurso apresentado pelo soldador no TST, discordou frontalmente da interpretação do tribunal regional. Para ela, o fato de o tratamento desrespeitoso ser dirigido a todos os trabalhadores não exclui a ilicitude da conduta — pelo contrário, a agrava.
“Em tese, o caso seria até mesmo de danos morais coletivos, se a matéria estivesse sendo discutida em ação coletiva”, afirmou a ministra em seu voto. Ela ressaltou que o empregador tem o dever legal de zelar pela urbanidade no ambiente de trabalho, orientando e fiscalizando o tratamento dispensado aos empregados.
A relatora foi enfática ao destacar a gravidade da situação: “Não é possível que, em pleno século XXI, o trabalhador ainda seja submetido a esse tipo de conduta reprovável por parte de superior hierárquico. A conduta abusiva ultrapassou os limites e atentou contra a dignidade do empregado”.
Impacto da decisão
A decisão da Sexta Turma do TST reforça o entendimento de que o assédio moral no ambiente de trabalho não precisa ser individualizado para configurar dano e gerar direito à reparação. Quando as ofensas são generalizadas, atingindo todo o grupo de trabalhadores, a responsabilidade da empresa é ainda maior, pois evidencia uma cultura organizacional tóxica e permissiva com a violência psicológica.
O caso também traz à tona a questão do preconceito e da discriminação por nacionalidade no ambiente corporativo. As frases proferidas pelos superiores hierárquicos revelam não apenas autoritarismo excessivo, mas xenofobia e desrespeito à dignidade dos trabalhadores brasileiros.
A condenação ao pagamento de R$ 5 mil pode parecer modesta diante da gravidade das ofensas, mas representa um reconhecimento judicial da violação aos direitos da personalidade do trabalhador. Mais importante, a decisão estabelece um precedente que pode beneficiar outros trabalhadores em situações semelhantes, reforçando que nenhuma forma de humilhação ou tratamento degradante é aceitável nas relações de trabalho, independentemente de ser direcionada a um indivíduo ou a um grupo.
O julgamento foi unânime, demonstrando consenso no colegiado sobre a necessidade de proteger a dignidade dos trabalhadores e responsabilizar empregadores que permitam ambientes de trabalho hostis e degradantes.
Processo: (número do processo não informado)



