Por Hylda Cavalcanti
Em novembro passado, o Brasil sediou a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas, a COP 30, em Belém (PA). Foi um evento muito aguardado, alvo de polêmicas em meio aos seus preparativos e até de divergências sobre os debates a serem apresentados que, no final, colecionaram críticas de um lado, mas também elogios e propostas positivas por outro. Com o Judiciário não foi diferente.
Desde 2023, vários tribunais se reuniram, selecionaram processos ambientais mais antigos para serem julgados com mais celeridade, fizeram seminários nos quais definiram enunciados para servirem de precedentes e, com isso, ajudar no julgamento de questões relacionadas ao setor e adotaram outras séries de medidas. Como resultado, foram apresentados alguns compromissos que se pretende que, não apenas venham a ser fortalecidos daqui por diante nas Cortes de Justiça, mas também que sirvam de exemplo para o Judiciário de outros países.
Avaliação dos ambientalistas
Muitos ambientalistas, por exemplo, avaliam que a COP 30 foi bem-sucedida por ter conseguido colocar na mesa as duas questões centrais para enfrentar a crise climática: o uso dos combustíveis fósseis e o desmatamento. Mas, por outro lado, reconhecem que os compromissos firmados deveria ter avançado bem mais.
Todos, entretanto, acham que a Conferência foi mal sucedida em sua tentativa de pôr fim à destruição das florestas e para iniciarmos o afastamento definitivo dos combustíveis fósseis. Foram temas que ficaram de fora da decisão final da COP — apesar dos esforços do governo brasileiro e da presidência do evento.
Outra reclamação foi de que as recomendações para manter o mundo dentro do limite de 1,5°C em relação ao período pré-industrial também não foram incorporadas ao texto final. Diante disso, o presidente da COP 30, embaixador André Corrêa do Lago, se comprometeu a tratar tais itens como iniciativas da presidência a serem discutidas ao longo de 2026, até a realização da próxima COP, na Turquia.
De acordo com ele, os trabalhos terão como objetivo fazer com que esse processo “avance, ganhe força política e construa o consenso indispensável que se espera para proteger vidas, assegurar qualidade de vida e evitar novas tragédias climáticas”, conforme destacou.
Novidades e conquistas históricas
Mas a COP também ficará marcada por novidades e conquistas consideradas históricas. Dentre as novidades, a instalação, pela primeira vez, de um pavilhão formado por movimentos sociais e organizações da sociedade civil. No total, participaram do evento representantes de 195 países. O Brasil foi um dos protagonistas das discussões que resultaram no chamado “Pacote Belém”, com a aprovação de 29 medidas de soluções climáticas.
Outro fator positivo é que, se nas negociações formais os avanços foram considerados limitados, fora delas, após quatro conferências em países com restrições à participação social, Belém foi palco de uma mobilização global inédita: a Cúpula dos Povos. A Cúpula reuniu 25 mil pessoas e mais de mil organizações do mundo inteiro em cinco dias de plenárias, debates e articulações na Universidade Federal do Pará (UFPA).
A presença indígena também foi marcante, uma vez que cerca de 3 mil representantes formaram uma grande aldeia na cidade. Isso sem falar na Marcha Global pelo Clima, que levou 70 mil pessoas às ruas sob o lema “A resposta somos nós!”.
Debate sobre o tema no Judiciário
O Poder Judiciário brasileiro participou de forma atuante na Conferência, mostrando que os tribunais possuem um compromisso fortalecido com a justiça climática e a proteção da Amazônia. E consolidou uma espécie de formalização, por parte da magistratura do país, de que terá um papel mais ativo e integrado com a pauta ambiental.
Ao longo da conferência o Judiciário promoveu debates e participou de painéis para discutir seu papel na crise climática, destacando a importância de alinhar políticas climáticas à promoção da justiça social e dos direitos humanos. Não por acaso, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, ressaltou, durante o seu discurso no evento, que “o legado da COP 30 para o Judiciário brasileiro será uma atuação mais robusta na defesa da Amazônia e no combate à criminalidade associada”.
Compromissos firmados pelo Judiciário
Fachin citou itens de compromissos firmados pelos tribunais neste sentido. Tais como o fortalecimento da ação penal para enfrentar crimes ambientais que possuem ligações com redes de macrocriminalidade, como tráfico de pessoas, armas e drogas, que atuam de forma atípica na região (1) e o reforço de políticas de sustentabilidade e responsabilidade social no próprio Judiciário (2).
Outros compromissos foram a assinatura de uma declaração de compromisso da magistratura brasileira, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), intitulada “Declaração de Juízes sobre Justiça Climática”, voltada para o tema (3). Fora isso, foram apresentados por juristas e magistrados de todo o país, vários enunciados definidos no último semestre pela Justiça Federal e pelas Justiças estaduais relacionados a processos referentes ao meio ambiente e a crimes ambientais.
No caso dos enunciados, muitos desses entendimentos não são fruto apenas de discussões da COP 30, mas vinham sendo debatidos desde 2023. E chamaram a atenção quando foram alvo de julgamentos e firmada jurisprudência específica. Um desses casos é a questão do crime ambiental ser passível de dano moral coletivo. Antes, não se falava nessa hipótese. Hoje, pode-se dizer que o entendimento está pacificado e tem sido usado em muitas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs).
Bloqueio a avanços essenciais
Não que tenha sido tudo mais positivo do que negativo. Mais uma vez, os países que mais contribuíram historicamente para o aquecimento global — e os que mais emitem emissões de gases de efeito estufa hoje — atuaram para bloquear avanços essenciais. Continuam também resistindo a financiar e apoiar os países e populações mais vulneráveis, que já sofrem — e seguirão sofrendo — os impactos mais graves dos eventos extremos.
Dess forma, a COP 30 terminou sem alcançar pontos importantes para o cuidado ambiental. Um dos pontos ruins foi a ausência de acordos bilaterais que permitissem ao Brasil participar dos mercados regulados globais de carbono. O país não assinou nenhum memorando de entendimento para viabilizar o uso de créditos brasileiros em mercados regulados. Também não houve avanço nas chamadas cartas de ajuste correspondente, exigidas para transações internacionais fora do mercado voluntário.
Mas chamaram a atenção dentre alguns dos bons resultados, o lançamento do Programa Áreas Protegidas da Amazônia focado em fortalecer as comunidades locais em unidades de conservação de uso sustentável na Amazônia. Por isso que as declarações dos participantes foram as mais variadas, o que mostra que valeu a pena a realização do evento.
A técnica Cristiane Ribeiro, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), reclamou que “as decisões tomadas não respondem com a ambição necessária ao tamanho do desafio climático”. “Seguiremos defendendo que o financiamento climático deve ser público, justo, acessível e livre de dívida, porque só assim será possível uma transição verdadeiramente equitativa”, afirmou ela ao focar a questão dos financiamentos.
Por sua vez, o especialista José Moroni, do mesmo instituto, enfatizou que “a sociedade civil mostrou sua força e capacidade de articulação. Os movimentos ocuparam Belém e apontaram caminhos concretos para a justiça climática”.
“Poderia ser chamada de milagre”
Para o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin — considerado um dos maiores especialistas em Direito Ambiental do país — a COP30, quando comparada com as anteriores, poderia ser chamada de “milagre”. “Em primeiro lugar, porque aconteceu em um momento de desmonte mundial de verdades quase absolutas que informaram todas as outras COPs. De desmonte, ao mesmo tempo, do multilateralismo”, destacou. Em segundo lugar, segundo ele, porque pela primeira vez foi realizada não para discutir a floresta à distância, mas no meio da floresta.
Para Benjamin, em termos de resultados concretos, “a própria realização da COP tem um simbolismo enorme em si como evento e também no que se refere à sua localização”. “O esforço brasileiro foi muito grande. O esforço pessoal do presidente Lula e dos ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Rui Costa (Casa Civil) e dos nossos diplomatas, em especial o embaixador André Corrêa do Lago”, frisou.
O ministro afirmou que o que achou mais impressionante em Belém foi a convergência dos vários setores “com um discurso muito afinado, à exceção dos produtores de combustíveis fósseis”. “É verdade que houve um certo enfraquecimento, pelo momento político atual, da perspectiva de urgência e emergência das mudanças climáticas. Mas os próprios fatos vão, felizmente, desmentir esta sensação que se tenta passar de que não há nem emergência, nem urgência. Então vejo a COP30 como um grande sucesso”, destacou.
Fenômeno e causas
“O que podemos discutir, e é legítimo, é como nós vamos trabalhar com este fenômeno e com as suas causas. A melhor forma é resolver as causas, e não buscar simplesmente band-aids que terão muitas vezes um custo muito maior e não resolverão pela raiz os problemas que enfrentamos. No caso brasileiro, o maior problema é o desmatamento. E por isso a ênfase que temos que dar à questão da floresta”, explicou.
“Mas não é só a floresta. É a flora, o Cerrado, os campos de altitude, os manguezais, tudo isso é importante. Estamos tratando aqui de um desses temas existenciais para nós, mas também para a comunidade da vida como um todo. E claro, também não é saudável que nos fechemos em igrejinhas”, completou o ministro.
Enfim, como deixaram claro profissionais dos mais diversos segmentos, na COP 30 não se ganhou a maior batalha, mas algumas pequenas batalhas foram vencidas. O que se precisa agora é ampliar a conscientização dos governos e das populações para que o que tem de ser feito seja entregue com a maior brevidade possível. Afinal, o planeta já está mostrando, há anos, essa necessidade..


