Tensão familiar e disputa por protagonismo político desmancham articulação entre Valdemar Costa Neto e o ex-presidenciável cearense, mesmo após tentativa de reconciliação
A suspensão da aliança entre o PL e Ciro Gomes (PSDB) no Ceará representou um golpe pessoal e político para Valdemar Costa Neto, presidente nacional do partido. A decisão, referendada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, veio após uma série de embates públicos entre a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e os filhos do ex-mandatário, que condenaram o acordo regional com o ex-adversário.
Em agosto deste ano, Valdemar deu um sinal claro de reaproximação com Ciro ao retirar três processos por danos morais que movia contra ele desde 2022. O gesto foi interpretado como uma tentativa pragmática de fortalecer o palanque da direita no estado, tradicionalmente dominado pelo PT.
Reaproximação envolveu retirada de ações judiciais
Durante a campanha presidencial de 2022, Ciro Gomes havia atacado Valdemar publicamente, acusando-o de envolvimento em desvios no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e lembrando sua condenação no escândalo do Mensalão.
“Valdemar Costa Neto, o Lula deu o DNIT para roubar, foi preso e condenado”, declarou Ciro, durante um debate promovido pela Veja. O presidente do PL, à época, moveu três ações contra o ex-ministro, cada uma cobrando R$ 100 mil de indenização por danos à imagem.
Contudo, em setembro, Valdemar afirmou que o episódio estava superado. “O Ciro mete o pau até na própria sombra, mas é um fenômeno. É o único jeito de derrubar o PT no Ceará”, disse, sinalizando o alinhamento.
Michelle critica aliança e filhos de Bolsonaro reagem
A articulação, no entanto, entrou em colapso após a participação de Michelle Bolsonaro em evento no Ceará. No palco, ela criticou duramente a aproximação entre o PL e Ciro Gomes, que havia deixado o PDT para se filiar ao PSDB. Michelle participava do lançamento da pré-candidatura do senador Eduardo Girão (Novo-CE) ao governo estadual.
“Fazer aliança com o homem que é contra o maior líder da direita, isso não dá. A pessoa fala que a família é de ladrão, compara o presidente Bolsonaro a ladrão de galinha. Não tem como”, afirmou.
A fala provocou forte reação dos filhos do ex-presidente. Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Carlos Bolsonaro (PL-RJ) classificaram a postura da ex-primeira-dama como desrespeitosa, acusando-a de desobedecer uma orientação direta de Jair Bolsonaro, que teria dado aval à aliança.
Decisão final ocorreu em reunião na Polícia Federal
O desfecho veio nesta semana, quando Jair Bolsonaro, que cumpre pena em Brasília, recebeu a visita de Flávio Bolsonaro na Superintendência da Polícia Federal. Na ocasião, foi selada a suspensão da aliança com Ciro Gomes, decisão que teve apoio de Valdemar, ainda que contrariando sua estratégia original.
A ruptura marca mais um episódio da disputa interna pelo controle do espólio político de Bolsonaro. Com o ex-presidente impedido de disputar eleições, aliados e familiares travam uma guerra velada — e agora pública — pelo protagonismo da direita no país.
Ceará volta à estaca zero na costura de alianças
A decisão de romper com Ciro Gomes reabre o tabuleiro político no Ceará. A união com o ex-ministro era vista como a principal chance de conter o avanço do PT no estado, onde a legenda de Lula mantém forte influência. Sem a aliança, o PL ainda não tem um nome competitivo consolidado para o governo estadual.
Nos bastidores, interlocutores próximos a Valdemar afirmam que ele ficou pessoalmente frustrado com o desfecho. A expectativa era usar a aliança como vitrine de pragmatismo político, unindo forças divergentes em nome de um objetivo comum: derrotar o petismo no Nordeste.
Agora, resta saber se o partido conseguirá reconstruir uma alternativa viável em tempo hábil — e se conseguirá contornar a crise de liderança interna que se acirrou com o episódio.



