Por Hylda Cavalcanti
Desde decisões relevantes na área de meio ambiente, passando por questões relacionadas a prazos para prescrição de benefícios da Previdência Social e honorários advocatícios, a ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Assusete Magalhães, que faleceu nesta segunda-feira (01/12) aos 76 anos, se destacou por vários dos votos que relatou, tanto na Corte superior como antes, como desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF 1).
A magistrada fazia questão de ressaltar a cultura de precedentes durante os julgamentos e citava sempre julgados dos colegas. Afirmou, durante entrevista concedida ao Portal Consultor Jurídico (Conjur), em janeiro de 2024, que “é preciso respeitar a cultura dos precedentes, sob pena de oferecer ao cidadão uma vã esperança que, ao fim e ao cabo, só servirá para impedir a pacificação social buscada no Poder Judiciário”.
Assimilação da cultura
Ela declarou também a necessidade de o Judiciário, “em todas as suas instâncias, assimilar a cultura de formação de precedentes qualificados, de modo a procurar implementá-la efetivamente”.
“O mesmo Código de Processo Civil (CPC) que criou esse sistema de precedentes alargou a marcha processual e ampliou os prazos recursais, que passaram a ser computados em dias úteis. O CPC ampliou o contraditório na fase recursal e passou a exigir impugnação. Se o Judiciário brasileiro não assimilar essa cultura, sem dúvida, haverá uma piora da situação”, alertou.
Ilusão no jurisdicionado
A magistrada chegou a afirmar que ainda há julgadores de outras instâncias cujo entendimento é de que, embora existam precedentes qualificados, pensam de forma diferente em determinadas questões. “Isso não traz benefício para ninguém porque o que vai fazer é o processo chegar ao STJ, que na primeira assentada, reformará a decisão”, frisou — ao acrescentar que esse tipo de comportamento por parte das instâncias inferiores cria “uma vã ilusão para o jurisdicionado”.
“Não é possível que as pessoas com a mesma postulação recebam respostas judiciais distintas no mesmo espaço de tempo e perante a mesma ordem jurídica. Como o jurisdicionado pode aceitar uma coisa dessas? A cultura dos precedentes, com a formação dos precedentes qualificados, de observância obrigatória, permite esse tratamento isonômico. Isso conduz a um Judiciário eficiente e traz pacificação social”, afirmou Assusete em várias entrevistas.
Dano moral para desmatamento
Um dos exemplos de sua atuação pôde ser observado em novembro de 2023. Durante julgamento na 2ª Turma do STJ, a ministra relatou voto, aprovado por unanimidade pelo colegiado, que reconheceu a ocorrência de dano moral coletivo em caso de desmatamento da floresta amazônica em uma fazenda no Mato Grosso.
Assusete sempre lembrava, em votos sobre o tema, precedentes do Tribunal segundo os quais, a prática do desmatamento pode caracterizar dano moral. E afirmou, na ocasião, que esse tipo de ilícito “não pode ser considerado de menor importância”.
Floresta nativa
No processo em questão, conforme o acórdão recorrido, afirmou no seu voto que houve “exploração de 15,467 hectares de floresta nativa, objeto de especial preservação, na região amazônica, na Fazenda Chaleira Preta, com exploração madeireira e abertura de ramais, sem autorização do órgão ambiental competente'”.
Na época, o processo — Recurso Especial (Resp) Nº 1.989.778/MT — foi apresentado pelo Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado (TJMT), que entendeu que não seria possível a condenação por dano moral coletivo no caso porque, para isso, seria necessário o reconhecimento de um dano que tivesse causado “intranquilidade social ou alterações relevantes à coletividade local”.
Desnecessário dor, repulsa e indignação
O Tribunal estadual também afirmou que para reconhecer dano moral coletivo, seria preciso que o fato transgressor tivesse “razoável significância” e ultrapassasse os “limites da tolerabilidade”. Mas a ministra mudou a sentença de segunda instância.
“Para a verificação do dano moral coletivo ambiental, é ‘desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado’, pois ‘o dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado'”, escreveu ela no seu voto — citando o voto de outra ministra aposentada do STJ: Eliana Calmon.
Interrupção de prescrição
Outro julgado no qual Assusete chamou a atenção foi em julho de 2021, quando sob o rito dos recursos repetitivos, a 1ª Seção do STJ consolidou tese para data de interrupção de prescrição quinquenal em ação de conhecimento individual, proposta com o objetivo de adequar a renda mensal do benefício previdenciário aos tetos fixados pelas Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003 — que estabeleceram normas de transição para a reforma da Previdência.
A interrupção da prescrição quinquenal, para recebimento das parcelas vencidas, passou a ocorrer na data de ajuizamento da lide individual, salvo se requerida a sua suspensão, na forma do artigo 104 da Lei 8.078/1990“, que dispõe sobre a proteção do consumidor em casos de superendividamento. Também passou a ser nessa data quando o pedido coincide com o que foi anteriormente formulado em ação civil pública.
De acordo com a ministra, que foi relatora da controvérsia jurisprudencial (cadastrada como Tema 1.005), a revisão para aplicação dos novos tetos das ECs 20/1998 e 41/2003 aos benefícios previdenciários concedidos anteriormente não configura hipótese de revisão do ato de concessão. Sendo assim, segundo ela, não incide o prazo decadencial de dez anos previsto no caput do artigo 103 da Lei 8.213/1991 (que dispõe sobre planos de benefícios da Previdência Social).
Honorários advocatícios
Em março de 2021, a 1ª seção do STJ, por unanimidade, fixou que, observado o princípio da casualidade, é cabível a fixação de honorários advocatícios em exceção de pré-executividade, quando o sócio é excluído do polo passivo da execução fiscal, que não é extinta. O tema do repetitivo, cadastrado sob número 961 do STJ — e relatado por Assusete Magalhães — definiu tal possibilidade.
No caso em questão, a União entrou com recurso por entender que a fixação de honorários nessa situação é indevida, já que a ação continua tramitando contra a parte restante no polo passivo da execução fiscal.
A parte recorrida defendeu a manutenção da possibilidade de fixação de honorários, já que, para obter a exceção de pré-executividade, foi preciso contratar advogado e provar por quais motivos deviam ser excluída da demanda, ou seja, houve trabalho intelectual passível de gerar honorários.
“Aquele que opera”
A ministra ressaltou no seu voto que, quando confrontado ou com a literalidade do artigo 20 do CPC, ou com a aplicação de regras isentiva dos honorários, o Tribunal tem, de um modo sistemático, interpretado respectivamente as últimas normas e extensivamente o primeiro dispositivo processual, considerando o princípio do Direito, segundo o qual a lei não pode onerar aquele em cujo valor opera.
Dessa forma, a tese fixada por unanimidade foi: “Observado o princípio da casualidade, é cabível a fixação de honorários advocatícios em exceção de pré-executividade, quando o sócio é excluído do polo passivo da execução fiscal, que não é extinta”.
— Com informações do Superior Tribunal de Justiça



