Bob e a beleza impossível de ser imitada, escreve Jeffis Carvalho

Há 3 horas
Atualizado sexta-feira, 19 de setembro de 2025

A primeira vez que vejo Robert Redford estou prestes a completar 14 anos. Ali na grande sala do Cine Estoril, no centro de Osasco, cidade da Grande São Paulo, eu me preparo para passar o braço sobre os ombros de Regina. É nossa primeira ida ao cinema como namorados. As luzes se apagam e a tela branca é preenchida por uma cena noturna de uma mesa de jogo. Tomando quase toda a imagem, o rosto de um homem bonito – nunca tive nenhum receio de achar outro homem bonito. Loiro, olhos claros, um tipo apolíneo. Com muito carisma, quase nos encara. O olhar é penetrante enquanto embaralha as cartas. Sinto uma sensação estranha no contato do meu braço com o corpo da garota ao meu lado. Sim, ela parece estremecer. Fico incomodado. Aquele homem loiro, bonito se transmuda diante de mim. Revela-se o meu primeiro rival.

A minha cena pessoal tem a duração exata da outra, a que se desenrola na tela e ambas são surpreendidas por outro rosto masculino que surge por detrás de Sundance Kid. É Butch. Butch Cassidy. Ou melhor Paul. Paul Newman. Ali, quase paralisado, só penso na reação de Regina que, àquela altura, deve estar tremendo pela emoção do impacto – o que, depois, se confirma em sua confissão sussurrada entre os beijos que trocamos na sala escura. O filme é Butch Cassidy (Butch Cassidy and Sundance Kid, 1969), de George Roy Hill.

Robert Redford, para mim eternamente Sundance Kid, morreu dormindo esta semana, o que demonstra a mesma leveza e discrição em que passou pela vida como ator, diretor e produtor, estrela e, com certeza, um homem único e, mais certo ainda, desejado e invejado. Um rival de se admirar pelo caráter e pelo carisma. Uma lenda. Tão discreto quanto talentoso. Sim, um belo homem, um lindo ser humano. E com outro homem tão talentoso como ele compôs a dupla mais bonita do cinema: Paul e Robert.

Como ator, a marca que fica em mim é mesmo no papel de Sundance Kid. Mas também como o jovem recém casado que mora em um acanhado apartamento com outra lenda do cinema, ambos jovens. Bob e Jane. Jane Fonda, sua parceira no delicado Descalços no Parque (Barefoot in the Park, 1967), versão para o cinema da peça de Neil Simon, dirigida por Gene Sacks. As duas estrelas em ascensão, jovens, lindos e talentosos, se encontram um ano antes no poderoso Caçada Humana (The Chase, 1966), de Arthur Penn, com o gênio de Marlon Brando em cena como um delegado de cidade do interior que se vê obrigado a perseguir o  detento fugitivo (Redford) que volta à cidade em  busca de sua mulher (Fonda). O filme, com roteiro de Lilian Hellman, é uma alegoria do momento político violento que a América vive entre os assassinatos dos irmãos Kennedy.

A marca Redford fica também, e principalmente, nos filmes que faz com Sidney Pollack, o diretor com quem  mais trabalha, desde o seu primeiro destaque, contracenando com Natalie Wood, em Esta Mulher é Proibida (This Property Is Condemned, 1966), uma história da época da depressão, roteirizada por Tennessee Williams e Francis Ford Coppola.

Encarna Jeremiah Johnson em Mais Forte que a Vingança (Jeremiah Johnson, 1972), um dos westerns mais contemplativos da década de 1970. O filme acompanha um ex-soldado que busca isolamento nas montanhas rochosas. Pollack cria uma obra meditativa sobre a solidão e a sobrevivência, com Redford entregando uma performance introspectiva, uma das mais marcantes de sua carreira. Um ano depois, Pollack o dirige no drama que o  consolida definitivamente como galã.  Nosso Amor de Ontem (The Way We Were, 1973), coestrelado por Barbra Streisand,  torna-se um clássico do cinema romântico. A história de amor entre dois personagens com ideologias e propósitos opostos durante décadas turbulentas da história americana rende múltiplas indicações ao Oscar.

Em Três Dias do Condor (Three Days of the Condor, 1975), Redford interpreta um analista da CIA que se vê perseguido por uma conspiração governamental. Pollack encena com maestria esse thriller político tenso que captura perfeitamente a paranoia da era pós-Watergate. Um  suspense urbano e um dos grandes filmes  do cinema político americano nos anos 1970.  

Cavaleiro Elétrico (The Electric Horseman, 1979)  é mais um drama romântico em  que Pollack  combina crítica social com entretenimento. Robert Redford brilha como um ex-campeão de rodeio desiludido que rouba um cavalo para salvá-lo da exploração corporativa. A química entre Redford e Jane Fonda funciona bem mais uma vez, enquanto o filme aborda temas como a comercialização do American West e a busca por autenticidade. Romance, aventura e consciência social equilibrados de forma envolvente por Pollack.

Seis anos depois diretor e ator se reencontram no épico Entre dois Amores (Out of Africa ,1985) baseado nas memórias da escritora dinamarquesa Karen Blixen. Ambientado no Quênia colonial, na década de 10 do século passado, rende sete Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor para Pollack. A parceria com Meryl Streep e a cinematografia deslumbrante fazem dessa obra um dos grandes sucessos da dupla Pollack-Redford.

O derradeiro filme da parceria com Pollack é Havana (1990) , ambientado na Cuba pré-revolucionária. Um filme noir romântico que  não obtém o mesmo sucesso dos trabalhos anteriores da dupla. Apesar da produção elaborada e das performances competentes, o filme é  considerado uma tentativa menos bem-sucedida de recriar a magia de filmes como Casablanca (1942), de Michael Curtiz.

A outra parceria essencial é entre Paul Newman e Robert Redford e representa um dos grandes encontros do cinema americano. Os dois filmes que fizeram juntos são dirigidos por George Roy Hill. Estrelam como heróis à margem da lei. Em Golpe de Mestre (The Sting, 1973) eles são dois estelionatários. Newman é Henry Gondorff e oferece uma performance de veterano cansado mas ainda astuto, enquanto Redford traz frescor e determinação ao jovem Johnny Hooker. A química entre ambos é palpável, criando uma dinâmica mentor-discípulo que sustenta emocionalmente toda a trama. O filme é mais um de sua carreira a  vencer sete prêmios Oscar e rende a Redford a sua única indicação como melhor ator.

O Oscar mesmo só veio  em sua estreia como cineasta. Gente como a Gente (Ordinary People,1980) é um drama que retrata com sensibilidade uma família de classe média alta destruída pela morte trágica do filho mais velho em um acidente de barco. Vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante pelo papel, Timothy Hutton brilha como o filho sobrevivente atormentado pela culpa, enquanto Donald Sutherland e Mary Tyler Moore entregam performances tocantes como os pais devastados. O filme aborda questões de saúde mental de forma respeitosa e realista, evitando sensacionalismos ou simplificações. Vencedor de quatro Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, o filme permanece como um estudo poderoso sobre luto, culpa e a complexidade das relações familiares.

Dois anos antes do Oscar, Redford, sempre engajado social e artisticamente, funda o Sundance Film Festival em 1978. É uma plataforma para promover filmes independentes e dar voz a cineastas emergentes. O festival, realizado anualmente em Park City, Utah, torna-se um dos eventos cinematográficos mais prestigiosos do mundo, descobrindo talentos como Quentin Tarantino e Steven Soderbergh. Redford nomeia o festival em homenagem, claro, ao seu personagem Sundance Kid no clássico Butch Cassidy and the Sundance Kid. Ao longo de mais de quatro décadas, o Sundance se estabelece como o principal show case para o cinema independente americano e internacional. O festival continua sendo fundamental para lançar filmes que desafiam as convenções de Hollywood e abordam questões sociais importantes.

Mas se Sundance Kid é o que fica como impacto em minha memória, é como o jornalista Bob Woodward, em Todos os Homens do Presidente, (All the President’s Men, 1976) de Alan J. Pakula, o filme que permanece como o ideal de economia interpretativa, de presença em cena, de engajamento na causa mais do que justa. Um tempo em que o jornalismo era tão importante para a democracia, que podia levar à queda de um presidente dos Estados Unidos. Estou nessa profissão, que desempenho desde que ele, Bob, ganhou seu Oscar de diretor, em 1981.

Como jornalista – a exemplo de muitos colegas – eu desejo ser Bob Woodward a desvendar com Carl Bernstein (Dustin Hoffman)  a trama de Watergate.

Mas quero ser também, e é óbvio, o Bob Woodward de Robert Redford.

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