Por Hylda Cavalcanti
O Brasil passou a ter uma maior importância nas migrações internacionais. Conforme o Atlas temático lançada esse ano pelo Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo-Unicamp) e divulgado em setembro, “o endurecimento dessas regras cria novas rotas migratórias e faz do país um dos principais pontos de passagem para quem deseja entrar em países do norte global”.
A declaração foi dada pela coordenadora do trabalho, demógrafa Rosana Baeninger. De acordo com o estudo, o Norte e o Sul global são termos que se referem a uma divisão socioeconômica e política do mundo, sendo que o Norte abarca países caracterizados por economias avançadas e altos níveis de renda per capita, como os da Europa Ocidental, América do Norte, Austrália, Japão e Nova Zelândia.
E o Sul global refere-se a nações em desenvolvimento e subdesenvolvidas, principalmente da África, Ásia, América Latina e Caribe, que enfrentam desafios como pobreza e desigualdade. China e Índia são também consideradas parte do Sul global
Legislação oficial
A informação estimula Governo e Judiciário a ficarem atentos para formas de receber e tratar essas pessoas com dignidade e dentro da legislação oficial. Dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2010 e 2022, apontaram que o contingente de pessoas estrangeiras e de brasileiros naturalizados pulou de 592 mil para 1 milhão, o que representa um aumento de 70% dessa população.
Conforme o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), vinculado à Universidade de Brasília (UnB) e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), esse número é ainda mais alto. De 2010 a 2022, a instituição contabilizou 957 mil novos registros de imigrantes e 327 mil solicitações de refúgio, sem contar as pessoas estrangeiras naturalizadas.
“Se somarmos os números de novos registros de imigrantes e solicitantes de refúgio com o estoque de 600 mil imigrantes do Censo de 2010, cerca de 2 milhões de imigrantes poderiam estar morando hoje no Brasil”, afirmou o estatístico Antônio Tadeu Ribeiro de Oliveira, coordenador do OBMigra, em entrevista para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Latino-americanos são maioria
De acordo com ele, até 2010 os europeus eram maioria entre os imigrantes. Mas a partir de então começaram a predominar os latino-americanos, em especial os venezuelanos. Dos 464 mil imigrantes que vêm dos países da América do Sul, 271 mil são da Venezuela.
A principal porta de entrada para esse fluxo é o estado de Roraima, seguido pelo Amazonas. A partir de 2016, essas duas unidades federativas passaram a receber uma grande quantidade de venezuelanos em razão da crise humanitária deflagrada naquele país.
De acordo com o representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), William Laureano da Rosa, um programa brasileiro criado para receber esses imigrantes já atendeu mais de 800 mil venezuelanos. Cerca de metade deles permaneceu no país, sendo que a maioria foi reconhecida como refugiada, conforme destaca o relatório “Refúgio em números, do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) — elaborado em parceria com o OBMigra.
454 mil pedidos
No total, o documento constatou que o país recebeu 454 mil solicitações de reconhecimento da condição de refugiado, entre 2015 e 2024, e que 150,9 mil delas foram aceitos no período. O refúgio é concedido a cidadãos que fugiram de seus países de origem devido à perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, além de grave e generalizada violação de direitos humanos.
Atrás dos venezuelanos, há também pedidos de cubanos (52 mil), haitianos (37 mil) e angolanos (18 mil). Eles representam os maiores grupos de refugiados no país, fluxo que engloba ao todo 175 nacionalidades.
Fator econômico e legislações
Conforme avaliação dos pesquisadores do OBMigra, um dos fatores da procura pelo Brasil nos últimos anos é que, apesar das desigualdades sociais observadas aqui, as possibilidades de emprego e renda ainda são melhores do que em outras nações do Sul global.
Outro ponto favorável é a legislação, uma vez que aqui, o Estatuto do Refugiado (Lei nº 9.474, de 1997) e a Lei de Migração (Lei nº 13.445, de 2017) se baseiam em princípios de direitos humanos.
A legislação vigente permite que o estrangeiro permaneça em território nacional enquanto aguarda a regularização de sua situação, processo que pode levar até dois anos. “Os solicitantes de refúgio obtêm um documento provisório que lhes permite circular pelo território, trabalhar com carteira assinada, acessar o Sistema Único de Saúde [SUS] e matricular os filhos na escola”, explicou a cientista política Julia Bertino Moreira.
Segurança jurídica
Pesquisadores e juristas reconhecem que a legislação brasileira oferece segurança jurídica e proteção a estrangeiros em situação de vulnerabilidade, mas admitem que existe um descompasso entre as leis e a sua aplicação.
“Precisamos de uma política nacional que articule as ações da União, dos Estados e municípios. Sem isso, a permanência desses imigrantes no Brasil se torna difícil”, afirmou o jurista Luís Renato Vedovato, da Unicamp, que concluiu em maio pesquisa sobre o tema.
Política nacional em curso
O Ministério da Justiça e Segurança Pública está em fase de elaboração da chamada Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, que acaba de ser criada pelo MJSP.
De acordo com a diretora de Migrações do órgão, Luana Medeiros, um decreto federal está sendo preparado para instituir a iniciativa. Prevê desde mecanismos para melhorar a articulação entre ações governamentais de diferentes ministérios e secretarias estaduais e municipais, até o aumento a participação social na formulação e no acompanhamento de programas voltados a imigrantes.
— Com informações da Fapesp


