Por Hylda Cavalcanti
Neste período que antecede o julgamento que vai decidir se os militares condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado perderão suas patentes, e em que são aguardadas respostas sobre pedidos de extradição de parlamentares condenados pelos mesmos motivos, é importante destacar a situação dos presídios brasileiros divulgada em 2025.
Os militares condenados estão detidos em locais especiais reservados para eles. Mas caso o Superior Tribunal Militar (STM) decida que deverão perder as patentes, em 2026, terão de ser transferidos para áreas comuns de presídios — sendo o mais provável, o da Papuda, localizado no Distrito Federal.
No caso de a condenação ser de mulheres, como a ex-deputada federal Carla Zambelli — que está presa na Itália enquanto a Justiça daquele país decide se acolherá pedido de extradição dela feito pelo governo brasileiro — Carla ficará numa das celas de penitenciária feminina Colméia (DF).
O mesmo poderá acontecer com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que está detido numa ala especial destinada a representantes da Polícia Federal, e o deputado cassado Alexandre Ramagem, também da PF, que está foragido nos Estados Unidos. Ambos podem perder os cargos que possuem na corporação no próximo ano. E, se isso acontecer, serão mais dois a engrossar a fila de presidiários da Papuda.
150% de superlotação
Conforme levantamentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até 27 de novembro passado os presídios brasileiros apresentavam 150% de superlotação. Sendo que de setembro a novembro, de 1.836 estabelecimentos inspecionados, foi encontrado um excedente de 242.891 pessoas a mais do que as vagas existentes nesses espaços. Os dados referentes a dezembro até o fechamento desta edição ainda não tinham sido divulgados.
São números que mostram um cenário de celas superlotadas e espaços apertados para tanta gente. Em função das pessoas condenadas pelo crime de tentativa de golpe de Estado, o HJur foi pesquisar a situação em especial do Complexo Prisional da Papuda, formada por seis unidades. Em apenas três delas, o quadro não apresenta déficit de presidiários — locais onde os condenados não poderão ficar.
A ala para onde costumam ir esses presos, conhecida como a Penitenciária Federal do DF, tem capacidade para 1.584 pessoas, mas abriga atualmente 2.925 detentos — um excedente de 1.341 presos. A Penitenciária do DF 2, apresenta a mesma situação. Lá a capacidade é para 1.494 detentos, mas a área é ocupada por 2.820 820 deles. O que equivale a um excedente de 1.326 pessoas.
A Penitenciária do DF 4, não tem muita diferença. Lá, a capacidade é para 1.664 detentos, mas estão apenadas 2.545 pessoas, uma taxa de ocupação de 881 pessoas a mais.
Locais sem déficits
Só escapam desse déficit três espaços. O primeiro é o Núcleo de Custódia da Polícia Militar, também localizado na Papuda (e que não recebe esses tipos de presos). O Núcleo tem uma taxa de ocupação de apenas 46,5% do seu excedente de capacidade.
Outro espaço, o Centro de Treinamento e Reeducação, é mais uma exceção, pois abriga hoje, menos da metade do total de vagas que possui. Por último, está a penitenciária feminina Colmeia, que não apresenta superlotação. Tem capacidade para abrigar 814 mulheres, mas abriga 716 delas.
Como os condenados não poderão ficar no Núcleo de Custódia nem no Centro de Treinamento, só quem poderá ir para um espaço sem déficit de pessoas será a deputada Carla Zambelli.
Os demais, terão de enfrentar as mesmas dificuldades e problemas dos outros políticos e agentes públicos condenados por motivos diversos nos últimos 30 anos, que foram igualmente encaminhados para a Papuda. Uma exceção pode ser feita ao ex-presidente Jair Bolsonaro, em função das suas condições de saúde e por ser ex-presidente do país.
Plataforma Geopresídios
Os números divulgados pelo CNJ, estão na nova versão da plataforma intitulada Geopresídios, que reúne informações atualizadas sobre inspeções no sistema prisional brasileiro e outras unidades de privação de liberdade.
Conforme esses dados, no período entre agosto e o final de novembro, foram observadas 483.258 vagas para 726.149 pessoas privadas de liberdade. O déficit já foi maior, passando de 400 mil pessoas. Mesmo assim, quase 250 mil pessoas a mais detidas em espaços que não têm capacidade para tanto mostram que é preciso ampliar as políticas públicas voltadas para o sistema prisional.
Lançado originalmente em 2011, o Geopresídios é alimentado pelo Cadastro Nacional de Inspeções em Estabelecimentos Penais (CNIEP), sistema interno do CNJ que unifica o registro das inspeções judiciais realizadas em locais como penitenciárias, delegacias, cadeias públicas e hospitais de custódia.
A plataforma também traz dados agregados atualizados sobre tipo de regime, forma de custódia, distribuição por sexo e grupos específicos, assim como consulta a relatórios de inspeção mensais e análise de dados de forma georreferenciada. A intenção é de que, de 2026 em diante, os agentes públicos passem a ter atualizações constantes sobre esses locais, até para fazer a distribuição de detentos.
“Raio-X nacional”
“O Geopresídios se consolida como um raio-x nacional das condições prisionais, contribuindo para o aprimoramento das políticas públicas e o fortalecimento da governança penitenciária. Reafirma o papel do Poder Judiciário na construção de políticas públicas baseadas em evidências”, afirmou o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministro Edson Fachin sobre o novo sistema.
De acordo com Fachin, “a transparência é uma ferramenta de justiça: ao dar visibilidade às condições de custódia, o CNJ contribui para decisões mais responsáveis e humanas”.
Segundo técnicos do CNJ envolvidos neste trabalho, a principal novidade da plataforma é a interface modernizada associada a novos recursos, a exemplo de mapa interativo que localiza cada estabelecimento penal do país.
Isto porque filtros analíticos avançados podem ser combinados em temas como taxa de ocupação, excedente sobre a capacidade e percentual de pessoas em prisão preventiva, exibindo um cenário georreferenciado inédito, informando ainda quais unidades foram inspecionadas ou não em determinado mês.
A nova versão também tem uma aba que disponibiliza estatísticas individualizadas por unidade prisional em assuntos como capacidade e ocupação, regime de cumprimento de pena e população distribuída por formato de custódia. Na aba ‘relatórios de inspeções’, é possível acessar o formulário de inspeção respondido por juízes e juízas em diferentes temáticas previstas na metodologia aprovada pelo CNJ em 2024 (Resolução CNJ n. 593/2024).
Produtor de informação pública
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Luís Lanfredi um dos principais destaques do trabalho é o caráter público da plataforma.
“Com o novo Geopresídios, o CNJ reforça o papel do Poder Judiciário como produtor de informação pública qualificada sobre o sistema prisional brasileiro. A atualização amplia a utilidade dos dados para gestores, pesquisadores, jornalistas e sociedade civil, fortalecendo o compromisso institucional com transparência, evidência e direitos humanos”, frisou ele.
O novo Geopresídios também está alinhado às ações do Programa Pena Justa, com destaque ao apoio à frente de habitabilidade prisional, a partir dos mutirões de habitabilidade. O desenvolvimento e a qualificação do Geopresídios e do CNIEP têm o apoio técnico do programa Fazendo Justiça, executado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Confira aqui a versão atualizada do Geopresídios.
A Papuda
O presídio da Papuda já recebeu governadores, ministros, senadores, deputados federais e distritais, secretários de estado e funcionários públicos de diversos níveis hierárquicos ao longo de sua história, das administrações locais e federal — invariavelmente em casos relacionados a corrupção — além de empresários, celebridades, maníacos, traficantes, terroristas internacionais e líderes de facções criminosas, entre outros — mas nunca um ex-presidente.
O complexo prisional também abrigou políticos como os ex-deputados federais José Dirceu e José Genoíno, ambos do PT e condenados no caso do Mensalão, o ex-governador e prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (Progressistas) e muitos outros.
Somente de ex-governadores do DF, foram três: José Roberto Arruda, governador de 2007 a 2010, ficou preso ali duas vezes: a primeira em 2010 no contexto da operação Caixa de Pandora e, posteriormente, em 2017 na operação Panatenaico, sobre fraudes na reforma do estádio Mané Garrincha.
Agnelo Queiroz (PT), governador de 2011 a 2014, foi preso em 2017, também na operação Panatenaico, que investigava desvios na reforma do Mané Garrincha. Joaquim Roriz chegou a ser preso na Papuda em 2007, após renunciar ao mandato de senador em meio ao escândalo do caso Bezerra de Ouro, mas a prisão foi revogada pouco depois. É um presídio famoso pela sua estrutural, por está localizado na capital do país e pelo grande número de pessoas famosas que abriga.


