Da redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (29) o julgamento que discute a possibilidade de autoridades nomearem parentes para cargos políticos. Até o momento, seis ministros já votaram a favor de uma exceção à Súmula Vinculante 13, que proíbe o nepotismo, permitindo que secretários municipais, estaduais e ministros de Estado possam ser escolhidos entre familiares das autoridades nomeantes. A decisão, tomada no Recurso Extraordinário (RE 1133118), tem repercussão geral e deverá ser aplicada a todos os processos semelhantes em tramitação no país.
Apenas o ministro Flávio Dino abriu divergência até agora, defendendo a manutenção integral da proibição ao nepotismo. O julgamento do Tema 1.000, como é conhecido, estabelecerá precedente vinculante para todo o Judiciário brasileiro
Relator defende natureza política dos cargos de confiança
Em sessão na semana passada, o ministro Luiz Fux, relator do caso, fundamentou seu voto na distinção entre cargos administrativos e políticos. Segundo Fux, a Súmula Vinculante 13 representou “verdadeiro avanço no sentido à moralização” da administração pública ao vedar a troca de nomeações entre autoridades, prática conhecida como nepotismo cruzado. Contudo, o ministro argumenta que cargos como ministros de Estado possuem natureza essencialmente política e não meramente administrativa, sendo previstos constitucionalmente como auxiliares diretos do chefe do Executivo.
Em seu voto, Fux ressaltou que a Constituição Federal atribui ao presidente da República a competência para indicar seus auxiliares diretos de governo. O relator enfatizou que essa discricionariedade política justifica o afastamento da vedação ao nepotismo nesses casos específicos. “Não significa, de modo algum, a completa imunidade desses atos aos princípios da legalidade”, ponderou o ministro, indicando que a exceção não seria carta branca para nomeações arbitrárias.
A proposta de Fux estabelece requisitos para as nomeações: os parentes indicados devem demonstrar qualificação técnica e idoneidade moral para o cargo. Além disso, o ministro reforçou a manutenção da vedação ao nepotismo cruzado, prática em que autoridades trocam nomeações de parentes entre si para burlar a proibição. O relator também sugeriu que a exceção não se aplique a membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, reconhecendo a necessidade de proteção especial a órgãos de controle.
Ministros propõem restrições à amplitude da exceção
Embora a maioria dos votos até agora acompanhe o relator, alguns ministros manifestaram preocupação com a abrangência da proposta. O ministro Cristiano Zanin sugeriu que a exceção seja restrita apenas aos cargos de primeiro escalão do Poder Executivo Federal, limitando o alcance da decisão. Essa posição foi apoiada pelo ministro Alexandre de Moraes, que argumentou pela necessidade de proteger órgãos de controle de influências políticas indevidas.
Moraes defendeu expressamente que não seria aceitável, por exemplo, que um governador pudesse indicar um irmão para o Tribunal de Contas do Estado. O ministro André Mendonça, apesar de acompanhar integralmente o relator, alertou para a importância de tornar a proposta mais restritiva e clara, evitando situações de conflito de interesses evidentes. “Seria muito cômodo, por exemplo, o governador de Estado ou o presidente da República nomear um filho ou irmão como chefe do Ministério Público”, advertiu Mendonça.
Os ministros Nunes Marques e Dias Toffoli também votaram pelo provimento do recurso, embora Toffoli tenha apresentado uma abordagem diferente quanto à formulação da tese jurídica, sugerindo a inconstitucionalidade superveniente da legislação que impede as nomeações. A ministra Cármen Lúcia trouxe à discussão a dificuldade prática de fiscalizar o cumprimento das regras, lembrando que mesmo com a Súmula Vinculante 13 em vigor, casos de nepotismo continuam ocorrendo no país.
Flávio Dino diverge e defende proibição integral
O ministro Flávio Dino foi o único até o momento a divergir do relator, defendendo a manutenção integral da Súmula Vinculante 13 sem exceções. Dino argumentou que eventuais exceções deveriam ser incluídas na própria súmula por meio de processo adequado, e não por decisão em recurso extraordinário. O ministro destacou que o Congresso Nacional já se posicionou claramente sobre o tema ao aprovar a Lei 14.230/21, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa para proibir expressamente o nepotismo e tipificá-lo como ato de improbidade.
Em seu voto, Dino classificou a nomeação de parentes por presidentes da República como prática “intolerável e insuportável sobre o crivo da soberania popular”. O ministro argumentou que as relações familiares são estritamente pessoais e que permitir nomeações de parentes para cargos públicos fere diretamente o princípio constitucional da impessoalidade. Para ele, o momento é oportuno para o STF reforçar a vedação ao nepotismo e romper com essa forma de concentração de poder que marca a história política brasileira.
“É falsa essa ideia de que administrações públicas não funcionam sem parentes”, concluiu Dino ao fundamentar sua divergência. O ministro propôs que seja mantida a vedação ao nepotismo em todos os casos e que, se necessário, seja discutida pontualmente alguma exceção específica em momento posterior. A posição de Dino alinha-se à recente legislação aprovada pelo Congresso e reflete crescente preocupação social com práticas que possam comprometer a moralidade administrativa.
Danos em manifestações
Além do julgamento sobre nepotismo, o Plenário do STF deve discutir a responsabilidade civil do Estado por danos causados em manifestações populares, especificamente no (RE) 1467145, que trata de atos praticados por policiais militares na “Operação Centro Cívico” de 2015, no Paraná. 213 pessoas ficaram feridas durante protesto de servidores estaduais, em sua maioria professores. O processo, de relatoria do ministro Flávio Dino, analisa se cabe à vítima ou ao Estado o ônus de comprovar a responsabilidade pelos danos.
O Ministério Público do Estado do Paraná questiona decisão do Tribunal de Justiça (TJ-PR) em relação a atos praticados por policiais militares durante a “Operação Centro Cívico”, que entendeu que a responsabilidade do Estado se restringe aos casos em que a vítima possa comprovar que era terceiro inocente, ou seja, que não estava envolvida na manifestação ou na operação e que não deu causa à reação do agente.
No STF, o MP argumenta que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa e da circunstância de as vítimas serem terceiros inocentes.
Direito ao silêncio em abordagens policiais
Outro tema de grande relevância é o direito ao silêncio no momento da abordagem policial, discutido no (RE) 1177984 (Tema 1.185). O caso questiona se as autoridades policiais são obrigadas a informar ao preso sobre seu direito de permanecer em silêncio já na abordagem, e não apenas no interrogatório formal.
O processo envolve um casal preso em flagrante dentro de casa, quando policiais militares obtiveram confissão espontânea e informal sobre posse ilegal de armas de fogo. Na abordagem, foram encontradas uma pistola, uma espingarda e munições (cartuchos e diversos projéteis) com registros vencidos.
No recurso, o casal questiona decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que entendeu que, no momento da abordagem, os policiais não são obrigados a advertir os acusados em relação ao direito de permanecerem calados. Segundo os advogados, a confissão informal de sua cliente foi realizada no momento da prisão em flagrante, durante a abordagem policial, e sem a necessária advertência prévia do direito constitucional ao silêncio, contrariando o artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição Federal.
Grandes fortunas
A Corte também deve julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 55, que trata da suposta demora do Congresso Nacional em editar lei complementar para instituir imposto sobre grandes fortunas. A ação foi proposta pelo PSOL.
De acordo com o partido, a tributação de grandes fortunas, conforme estabelecido na Constituição Federal (artigo 153, inciso VII), tem por objetivo a concretização dos objetivos fundamentais de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Em razão do período decorrido desde a promulgação da Constituição, o PSOL pede que o STF determine que o projeto de lei complementar sobre a matéria tramite em regime de urgência.



