Logo da novela Vale Tudo

Como o remake de Vale Tudo perdeu sua essência, escreve Jeffis Carvalho

Há 4 semanas
Atualizado sexta-feira, 3 de outubro de 2025

O remake da novela Vale Tudo chega à  reta final carregando o peso de uma decisão criativa questionável: diluir o protagonismo de Raquel Acioly, personagem que foi a espinha dorsal moral da trama original de 1988. O resultado é uma novela que, apesar de produzida para celebrar os 60 anos da emissora, tropeça justamente onde deveria brilhar.

A perda de uma heroína  

Na versão original escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, Raquel Acioly — eternizada por Regina Duarte — representava a consciência ética em meio à corrupção generalizada. Sua trajetória de mulher íntegra enfrentando um sistema corrompido dava sentido e propósito à narrativa. Era ela quem, ao final, deveria confrontar Odete Roitman, materializando o embate entre decência e cinismo que atravessava todos os episódios.

No remake de 2025, com Thaís Araújo no papel, a autora Manuela Dias optou por alterar tramas principais, rebaixando Raquel a uma posição secundária. A personagem que deveria ser o norte moral da história foi esvaziada, deixando a novela sem sua âncora dramática fundamental.

O desmascaramento patético

O exemplo mais gritante desse equívoco aparece agora no desfecho: Odete Roitman é desmascarada por sua filha Heleninha, numa resolução que soa artificial e insatisfatória. Transformar esse momento crucial — que deveria pertencer a Raquel — em uma cena protagonizada por outra personagem é trair não apenas o original, mas a própria lógica narrativa que a trama exigia.

A força dramática de Vale Tudo sempre residiu no confronto entre Raquel e Odete, entre idealismo e pragmatismo amoral. Retirar esse embate final é como refilmar E o vento levou sem Scarlet O’Hara: tecnicamente possível, mas dramaticamente vazio.

Uma novela capenga

O resultado dessa escolha é uma produção que caminha manca até seu desfecho. Por mais que outros elementos possam funcionar — elenco, produção, atualização de temas — falta à novela aquilo que tornava Vale Tudo especial: uma protagonista forte, íntegra e determinada, cuja jornada representava a possibilidade de resistência moral em tempos de decadência ética.

Numa época em que o Brasil mais do que nunca precisa de narrativas sobre integridade e coragem para fazer o certo, esvaziar Raquel Acioly parece não apenas um erro dramatúrgico, mas uma oportunidade desperdiçada de diálogo com o momento presente.

O preço da mudança pela mudança

Adaptar uma obra clássica exige coragem para inovar, mas também sabedoria para preservar o que a tornou memorável. Nem toda alteração é progresso. Algumas mudanças, por mais bem-intencionadas que sejam, removem justamente o coração pulsante de uma história.

O remake de Vale Tudo serve como lembrete de que protagonismo não é apenas uma questão de tempo de tela, mas de função narrativa. Raquel Acioly não era importante por aparecer muito — era importante porque corporificava os valores em jogo na trama. Sem ela no centro, Vale Tudo perde seu sentido mais profundo.

Para uma novela produzida para marcar seis décadas de história da TV Globo, esse é um legado melancólico: a demonstração de que nem sempre se compreende o que torna um clássico verdadeiramente clássico.

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