Os advogados João Rolla e Bruno Noura

Crônica de Uma Virada de Mesa: Da ADC 18 até a ADC 98

Há 51 minutos
Atualizado quinta-feira, 25 de setembro de 2025

A história, dizem alguns, é cíclica: os eventos tendem se suceder no tempo obedecendo a padrões geralmente associados ao comportamento social e cultural de uma civilização.

Essa foi a percepção quando nos deparamos com a notícia – divulgada pelo site daAdvocacia-Geral da União – de que foi por ela proposta Ação Declaratória de Constitucionalidade que, segundo afirma, pretenderia a confirmação de que despesas tributárias compõem a base da Cofins e da Contribuição ao Pis.

A distribuição da ADC reedita a estratégia utilizada pela União quando o Pleno do Supremo já indicava a acolhida da tese relativa ao Tema 069, materializada na ADC nº 18, que contou com a atuação nossa atuação direta na pessoa do Dr. Rodolfo Gropen, enquanto representante da Confederação Nacional do Transporte – CNT e, na ocasião, o estratagema não logrou êxito.

E o contexto atual aponta necessariamente para a mesma direção.

Já o explicaremos, porém, antes cabe ponderar o papel da ADC, em nosso sistema de controle de constitucionalidade. Ela é a única das medidas previstas para tal fim que não foi prevista originalmente na Constituição, e o seu enxerto no texto representa certa incompatibilidade com o espírito da Carta, especificamente o postulado da presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos; afinal, instituir uma medida para que o Supremo diga que algo é constitucional apequena referida presunção e com isso o próprio Estado Democrático de Direito. Ao cabo, tal ação desincentiva o esmero na elaboração legislativa, quando de iniciativa do Executivo, solapando um dever que julgamos primário.

O que exige cuidado redobrado no seu emprego e, naturalmente, que não seja deturpada em seu propósito.

E nesse ponto surge, por detrás da notícia veiculada, um objetivo claro derivado da simples leitura da inicial da ADC, distribuída sob o número 98: reiniciar na prática julgamentos em andamento pelo Supremo sobre temas de repercussão geral derivados da tese relacionada ao Tema 069 (Exclusão do ICMS da base de Cálculo da Cofins e do Pis), em que já colhidos votos, em sessões pretéritas, que favorecem as teses dos contribuintes. Especificamente se refere, neste escopo, aos Temas 118 (Exclusão do ISS da base de Cálculo da Cofins e do Pis) e 843 (Exclusão, desta feita, dos créditos presumidos de ICMS).

Caso seja aceita, a ADC representará uma fratura gigantesca no controle de constitucionalidade brasileiro, pois adotada não para discutir constitucionalidade de ato normativo ou lei federal, mas para “confirmar” constitucionalidade ou inconstitucionalidade de razões de decidir de julgamentos do STF.

E com isso se atropela a dinâmica dos mecanismos de controle de constitucionalidade, que já foram acionados por meio das repercussões gerais em andamento e com votação adiantada, anulando por via transversa a deliberação do STF de que votos de Ministros aposentados devem ser mantidos. Ademais, a estratégia de atravessar julgamentos iniciados, via da ADC, busca a ela conferir uma (equivocada) prevalência sobre recursos com repercussão geral, a qual inexiste do ponto de vista de conteúdo decisório.

Vale relembrar que a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, no passado, aprovou Parecer que equiparava decisões em controles concentrado e difuso inclusive quanto a seus efeitos sobre decisões transitadas em julgado.

É difícil não enxergar nesta iniciativa um certo oportunismo.

Percebendo que as teses contrárias ao Poder Executivo ganham corpo e força, buscou-se cautelar (não prevista no texto constitucional para ADC) para ganhar tempo e esperança baseada na mudança da composição dos membros da corte, sobretudo.

É preciso ainda destacar que há um pressuposto falso invocado para justificar a ação. Diz a AGU que a controvérsia teria surgido do julgamento, dentre outros, do próprio Tema 069 (o que, como visto, por si só torna inaplicável a ADC), e sua solução partiria da superação de suposta vedação da “incidência de um tributo sobre o montante representado por outro tributo” (vide item 48 da inicial). Não é demais lembrar que essa premissa foi explicitamente afastada, no julgamento do RE 574.706, afetado pelo Tema 069, como um dos fundamentos da decisão respectiva. Ou seja, realmente inexiste a aventada controvérsia.

O uso da citada ADC é tão danoso ao sistema constitucional brasileiro que o pedido de cautelar [para suspender “os processos judiciais que envolvem a discussão relativa à inclusão na base de cálculo do PIS e da COFINS de valores relativos a tributos, benefícios fiscais e despesas empresariais, em especial, pugna-se pela suspensão dos processos que tratam dos temas 118, 843 e 1067 de repercussão geral]demonstra não só que a repercussão geral não resolveu o suposto excesso processos no STF, como também apenas serviu para separar teses com repercussão geral que demoram tempo demais para serem julgadas.

A expectativa é que o STF não permita esse desvirtuamento da ADC e o desrespeito à sua autoridade jurisdicional, como aliás o fez quando da distribuição da ADC nº 18, ocasião na qual o Supremo preservou a lógica e dinâmica natural do controle de constitucionalidade, privilegiando o julgamento do RE submetido à repercussão geral, previamente.

Com maior razão há de fazê-lo, agora, em que já sobreveio quanto aos temas robusto e profundo debate, colhendo-se votos que bem expressam as diversas teses contrapostas. Afinal, se espera que neste ponto o ciclo se repita e, ao menos quanto ao assunto, seja definitivamente encerrado.

Autores

  • Bruno Noura

    Bruno NouraBruno Noura é coordenador do Escritório Rodolfo Gropen em Brasília e Professor Universitário, com vasta experiência junto ao STF e STJ.

  • João Rolla

    João rolla João Rolla é sócio de Rodolfo Gropen Advocacia

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