Da Redação
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a ausência de escritura pública ou contrato particular não invalida uma doação disfarçada sob a forma de empréstimo. O entendimento foi firmado ao negar o recurso de um homem que tentava impedir a ex-esposa de vender um imóvel adquirido com recursos que ele afirmava ter emprestado durante o casamento.
Simulação revelada em documentos contábeis
A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a simulação ficou evidente nos documentos contábeis do casal, elaborados sob orientação do próprio recorrente e sem participação da ex-esposa. Segundo ela, o marido registrou o valor como empréstimo em suas declarações de Imposto de Renda, tentando mascarar o que, na prática, foi uma doação.
“Não se pode descaracterizar a doação apenas porque o negócio não se revestiu de escritura pública ou instrumento particular. Afastar o reconhecimento da doação prejudicaria o fisco e terceiros de boa-fé”, afirmou a ministra.
O casal era casado sob o regime de separação de bens. A mulher recebeu do então marido uma fazenda, que posteriormente vendeu após o divórcio. Ao alegar que havia apenas emprestado parte do valor para a compra, o homem ajuizou ação de cobrança — rejeitada em todas as instâncias.
Tribunal paulista confirmou doação disfarçada
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença de primeiro grau, reconhecendo que a suposta operação de empréstimo foi, na verdade, uma doação dissimulada. Para os desembargadores, a transação serviu para dar aparência de capacidade financeira à mulher, que não possuía meios próprios para comprar o imóvel.
A corte paulista classificou a operação como um “vício de natureza relativa”, já que o negócio foi válido em sua essência, ainda que formalmente imperfeito. Assim, considerou-se legítima a transferência do bem, afastando qualquer obrigação de devolução dos valores.
O STJ, ao analisar o recurso, confirmou esse entendimento e reforçou que a simulação relativa não anula o negócio, mas apenas o revela em sua forma verdadeira.
Formalidades não podem favorecer quem tentou disfarçar
A ministra Nancy Andrighi explicou que, em regra, a doação exige escritura pública ou contrato particular, conforme o artigo 541 do Código Civil. Contudo, quando há provas claras de que a transferência foi feita por liberalidade, a ausência de forma escrita não pode servir de escudo para quem tentou ocultar a natureza real da operação.
“Exigir a solenidade prevista na lei seria premiar quem tentou dissimular o negócio e prejudicar terceiros de boa-fé”, destacou a relatora.
A magistrada ressaltou que a simulação relativa é comum em casos de tentativa de evitar a incidência de impostos ou de escapar de controles formais, o que torna difícil a produção de provas diretas. Por isso, cabe ao juiz analisar o conjunto dos indícios e documentos para identificar o verdadeiro propósito da transação.
Análise confirmou intenção de doar, não de emprestar
Ao final, Nancy Andrighi rejeitou qualquer hipótese de conluio entre o casal. Segundo o processo, a ex-esposa sempre tratou o valor como doação e não participou da elaboração das declarações fiscais que registraram o suposto empréstimo.
A ministra observou que nunca houve cobrança pelos valores transferidos, o que demonstra a intenção clara de doar e não de emprestar. “Não havia expectativa de reembolso, até porque seria incompatível com o patrimônio da donatária”, afirmou.
Com base nesse entendimento, o STJ manteve a decisão do Tribunal paulista e reconheceu a validade da doação disfarçada, mesmo sem a formalização por escritura ou contrato. O número do processo não foi divulgado por estar sob segredo judicial.