Capa do Metrópoles com a manchete e a foto sobre o casal que disputa na justiça a guarda de uma boneca reborn

Guarda de ‘bebês reborn’: a onda de insanidade chegou ao Judiciário? Eis uma pergunta para a qual não há resposta simples.

Há 5 meses
Atualizado sexta-feira, 15 de agosto de 2025

“A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão;
começo a suspeitar que é um continente.” 
— Machado de Assis, em O Alienista

Uma advogada revelou que atendeu uma cliente que deseja regulamentar judicialmente a guarda de uma boneca reborn — brinquedo hiper-realista que simula um bebê humano — após o término de um relacionamento. Mais do que uma anedota ou bizarrice moderna, o caso escancara o quanto o direito está sendo convocado a lidar com novas formas de afeto, posse e subjetividade em um mundo cada vez mais digitalizado e emocionalmente líquido.

Segundo a advogada Suzana Ferreiira, a cliente “formou uma família” com o parceiro e a boneca.O vídeo está disponível logo abaixo — convém você assisti-lo na íntegra para entender o problema.

Após o rompimento, o ex-companheiro deseja manter contato com o brinquedo — não por apego material, mas por vínculo emocional. O impasse envolve ainda a divisão dos custos do “enxoval”, a monetização de um perfil no Instagram criado para a boneca e a disputa sobre a administração desse ativo digital.

Essa situação pode parecer cômica, mas é profundamente sintomática. Para o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos na era da modernidade líquida, marcada pelo colapso dos vínculos sólidos — como família, comunidade, tradição e instituições — substituídos por conexões frágeis, mutáveis e voláteis. A relação com a boneca reborn reflete esse esvaziamento: o afeto que antes estava centrado em relações humanas agora se transfere para um simulacro, que parece mais estável e “controlável” do que as relações reais.

Ao mesmo tempo, essa boneca não é apenas um objeto — ela produz conteúdo, engajamento, monetização. Ganha status de “sujeito patrimonial”, e o que está em disputa não é apenas um brinquedo, mas um ativo digital com valor econômico e simbólico. Surge aí uma fronteira tênue entre afeto e propriedade, entre amor e empreendedorismo emocional, entre o imaginário familiar e o capital de influência.

É nesse cenário que também vale trazer Pierre Lévy, pensador francês que via na internet e nas redes digitais o embrião de uma “noosfera” — um novo estágio de evolução humana onde o conhecimento e a inteligência coletiva se ampliariam, promovendo colaboração, empatia e novas formas de democracia. O que vemos hoje, porém, é uma distorção dessa promessa: a inteligência coletiva se fragmentou, e o espaço digital se tornou, muitas vezes, um palco para simulações de afeto, personalidades fabricadas e disputas simbólicas que transbordam para o mundo jurídico.

O caso da bebê reborn é, portanto, emblemático da nossa era: nele convergem a liquidez das relações descrita por Bauman, o imaginário digital previsto (e talvez superestimado) por Lévy, e os desafios contemporâneos do Direito — que precisa decidir sobre vínculos que são, ao mesmo tempo, emocionais, patrimoniais e midiáticos.

Cabe ao Judiciário tratar essa demanda como um caso de tutela emocional, um litígio contratual, ou uma disputa sobre direitos autorais e imagem? Não há respostas simples — mas o fato de a pergunta ser possível diz muito sobre os rumos da subjetividade e da juridicidade em tempos de hipersimulação.

A própria Suzana Ferreira, que trouxe essa estranha demanda a público, ainda não está à vontade com o tema, nem com a abordagem que se deve fazer. Em seu perfil no Instagram, ela declarou o seguinte:

“Confesso que fiquei muito magoada depois que encerrei o atendimento. Eu não tive maturidade profissional para receber a demanda. Depois fiquei pensativa sobre a rede social. Quando deixamos de pensar só na loucura do enredo, é, sim, uma situação muito interessante para quem adora o direito digital.Como eu resolveria essa questão do Instagram? Pertence a quem tem a nota fiscal da bebê reborn ? Não seria de quem criou a conta? O Direito Digital não é lindo? Eu fico louca com essas novidades 🤭

Pelo que estamos vivenciando, logo advogados, juízes, promotores e procuradores terão que enfrentar essas perguntas.

Autor

Leia mais

AGU e STJ renovam acordo que encerrou 3,8 milhões de processos em cinco anos

Há 13 horas

STF derruba critério de promoção de juízes baseado em índice de conciliação

Há 13 horas

Um documentário para tentar desvendar Martin Scorsese

Há 16 horas
USS Gerald Ford, que o governo dos EUA deslocou para águas do Caribe

Guerra à vista: EUA enviam porta-aviões ao Caribe e anunciam ofensiva contra cartéis na América Latina

Há 17 horas

Moraes autoriza Mauro Cid a participar de aniversário de avó e mantém medidas cautelares

Há 18 horas
Lei sancionada no DF que homenageia ‘vítimas do comunismo’ é objeto de polêmica

Lei sancionada no DF que homenageia ‘vítimas do comunismo’ é objeto de polêmica e repercute nacionalmente

Há 18 horas
Maximum file size: 500 MB