Da Redação
A Justiça Federal no Rio Grande do Sul determinou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceda o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a uma mulher que vive com HIV e enfrenta vulnerabilidade social. A sentença é da 1ª Vara Federal de Caxias do Sul e foi publicada em 5 de dezembro, com assinatura da juíza Lenise Kleinubing Gregol.
O benefício havia sido negado administrativamente, mas o Judiciário reconheceu que a análise do caso não poderia se limitar a critérios estritamente clínicos. Para a magistrada, as barreiras sociais enfrentadas pela autora são determinadas para a caracterização do direito.
Além da concessão do BPC, a decisão determinou o pagamento das parcelas em atraso e a implantação imediata do benefício, por meio de tutela provisória de urgência. Ainda cabe recurso às Turmas Recursais.
Negativa do INSS e realidade da autora
A autora tem 50 anos, baixa escolaridade e histórico profissional restrito a atividades manuais, como a classificação de maçãs. Ela reside em um município pequeno, com cerca de 10 mil habitantes, e não possui renda própria, sobrevivendo apenas com recursos do programa Bolsa Família.
O pedido de BPC foi indeferido pelo INSS em 31 de janeiro de 2025, sob o argumento de que a requerente não se enquadraria no conceito de pessoa com deficiência exigido pela legislação assistencial.
No processo, a mulher relatou que sua condição de saúde se tornou conhecida na cidade, o que dificultou a retomada de vínculos profissionais e agravou o isolamento social, ampliando o cenário de exclusão econômica.
Conceito de deficiência e barreiras sociais
Na ação judicial, a defesa sustentou que o conceito de deficiência previsto na Lei Orgânica da Assistência Social deve ser interpretado de forma compatível com o modelo social de direitos humanos. Segundo a argumentação, não basta avaliar apenas a capacidade laboral.
Foi destacado que pessoas vivendo com HIV ainda enfrentam preconceito e discriminação, fatores que funcionam como obstáculos concretos à participação plena na vida social, independentemente da existência de sintomas incapacitantes.
Para a defesa, essas barreiras configuram impedimento de longo prazo, nos termos da legislação, ao comprometerem o acesso ao trabalho e à autonomia financeira em igualdade de condições com outras pessoas.
Perícias e fundamentos da sentença
Durante a instrução do processo, a perícia médica judicial concluiu que a autora não apresenta incapacidade para o trabalho. O laudo, contudo, confirmou o diagnóstico de HIV, além de dores no joelho esquerdo e obesidade.
A perícia social teve peso central na decisão. O estudo apontou que a condição de viver com HIV exige acompanhamento médico contínuo e uso permanente de medicamentos, além de gerar impactos relevantes na vida social da autora.
Na sentença, a juíza ressaltou que o isolamento social decorrente do medo de discriminação constitui uma barreira efetiva à participação em igualdade de condições, enquadrando a situação no conceito legal de deficiência previsto na Lei nº 8.742/1993.
Concessão do benefício e repercussão
Com base nesse entendimento, a magistrada julgou procedente o pedido e determinou que o INSS conceda o BPC, além de quitar as parcelas vencidas. A decisão reforça a importância da análise social nos pedidos de benefício assistencial.
O caso evidencia que a ausência de incapacidade laboral, por si só, não afasta o direito ao BPC quando estão presentes barreiras sociais duradouras e situação de extrema vulnerabilidade econômica.
Embora sujeita a recurso, a sentença sinaliza uma interpretação mais ampla e humanizada da política assistencial, alinhada à proteção da dignidade e à inclusão social de pessoas historicamente estigmatizadas.



