Da Redação
O Senado Federal deve retomar a partir desta terça-feira, 9 de dezembro de 2025, a análise do Projeto de Lei 2903/2023, que regulamenta o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A movimentação coloca o Legislativo em rota de colisão direta com o Supremo Tribunal Federal, que declarou a tese inconstitucional há mais de dois anos.
Após tramitar por mais de dois anos no Senado, o projeto que estabelece critérios para demarcação de terras indígenas deve finalmente ser apreciado pelos senadores. A expectativa é de votação acirrada, com intensa mobilização tanto da bancada ruralista quanto de movimentos indígenas e ambientalistas.
O que determina o marco temporal
O marco temporal determina que povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Para o STF, que julgou a questão em setembro de 2023, essa interpretação viola direitos originários dos povos indígenas e ignora o histórico de expulsões forçadas e violências sofridas antes da Constituinte.
A decisão da Corte, tomada por 9 votos a 2, determinou que a ocupação tradicional indígena não pode ser limitada a uma data específica, reconhecendo o chamado “indigenato” – o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas.
Congresso aprovou projeto oito dias após decisão do Supremo
Apesar do posicionamento claro do Supremo, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 2903/2023 apenas oito dias após o julgamento, em 27 de setembro de 2023. Desde então, o texto aguardava definição no Senado, onde se transformou em uma das pautas mais polêmicas do Congresso.
Projeto vai além do marco temporal e prevê revisão de terras
O texto vai além da tese do marco temporal. Entre os pontos mais controversos estão: indenização prévia e em dinheiro para ocupantes não-indígenas; possibilidade de revisão de terras já demarcadas; proibição de ampliação de reservas existentes; e permissão para atividades econômicas em terras indígenas sem consulta prévia aos povos.
Defensores da proposta argumentam que ela traz segurança jurídica para produtores rurais e evita conflitos fundiários. Críticos apontam que o projeto representa um retrocesso histórico nos direitos indígenas conquistados pela Constituição de 1988.
Especialistas apontam conflito direto com a Constituição
Especialistas em direito constitucional são unânimes em apontar que o projeto contraria frontalmente a decisão do STF. Pela doutrina da supremacia judicial em matéria constitucional, leis que conflitam com interpretações da Corte sobre a Constituição tendem a ser declaradas inconstitucionais quando questionadas.
“Estamos diante de um conflito institucional que se arrasta há dois anos. Mesmo que aprovado, o projeto enfrentará inevitável questionamento judicial”, avaliam observadores do debate.
Lideranças indígenas se mobilizam em Brasília
A votação prevista para esta semana mobiliza lideranças indígenas de todo o país, que têm chegado a Brasília para pressionar senadores contra a aprovação do texto. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) convocou atos e vigílias no Congresso Nacional.
Representantes de povos que foram expulsos de seus territórios antes de 1988 – como os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul – argumentam que o marco temporal legitima violências históricas e inviabiliza a reparação de injustiças.
Votação define futuro de centenas de processos de demarcação
Caso o projeto seja aprovado no Senado e sancionado, a expectativa é de questionamento imediato no STF por meio de ações diretas de inconstitucionalidade. O impasse deixa em suspenso o futuro de centenas de processos de demarcação que aguardam definição, afetando diretamente a vida de milhares de famílias indígenas e não-indígenas em todo o país.
A votação desta semana pode definir não apenas o destino da questão indígena no Brasil, mas também marcar um capítulo significativo na relação entre os Poderes da República.



