O jurista Ary Oswaldo Mattos Filho morreu na noite desta segunda-feira (1/12), aos 85 anos, em São Paulo, em decorrência de complicações pulmonares. Reconhecido como uma das maiores autoridades brasileiras em Direito Empresarial e mercado de capitais, Mattos Filho teve uma trajetória marcante como advogado, gestor público, acadêmico e fundador de um dos mais influentes escritórios de advocacia do país.
Doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor pela Harvard Law School, o jurista combinou excelência acadêmica com atuação decisiva em reformas institucionais. Presidiu a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nos anos 1990, foi juiz do Tribunal Administrativo de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT), integrou o Conselho Monetário Nacional e teve participação ativa na Fundação Getulio Vargas (FGV).
Atuação na CVM e reformas estruturais
Quando assumiu a presidência da CVM em 1990, Mattos Filho encontrou uma autarquia fragilizada após o escândalo especulativo protagonizado por Naji Nahas, que abalou o mercado financeiro brasileiro. Em plena vigência do Plano Collor, a confiança dos investidores era mínima.
Sua gestão na CVM foi marcada por medidas profundas, como o fim das ações ao portador e a abertura do mercado de capitais brasileiro a investidores estrangeiros, via Anexo 4. Também transferiu a sede da CVM para Brasília, buscando maior articulação institucional com o Congresso Nacional.
Essas iniciativas abriram caminho para a modernização e a internacionalização do mercado brasileiro, preparando-o para as transformações das décadas seguintes.
Da advocacia à construção institucional
Depois de deixar a CVM, Ary Mattos Filho fundou o escritório Mattos Filho, hoje uma das maiores bancas jurídicas do Brasil. Com um modelo de atuação full-service, a firma se destacou ao assessorar grandes operações empresariais, como a fusão entre Brahma e Antarctica, que deu origem à Ambev.
O escritório registrou faturamento de R$ 1,7 bilhão em 2024 e tornou-se referência em serviços jurídicos no país. O fundador se aposentou em 2010, aos 65 anos, seguindo regra interna da própria firma.
Além da advocacia, Mattos Filho teve papel crucial na criação da Escola de Direito da FGV em São Paulo (FGV Direito SP). Convidado pelo então presidente da Fundação, Carlos Ivan Simonsen Leal, ele estruturou um curso voltado às demandas contemporâneas do mercado, rompendo com o modelo jurídico tradicional.
Legado acadêmico e postura pública
Mesmo com perfil discreto e avesso a badalações, Mattos Filho era conhecido por sua defesa do liberalismo clássico. Em seus últimos anos, participou de manifestos contra retrocessos institucionais durante o governo Bolsonaro, mesmo à frente de um escritório com grandes clientes do setor privado.
Em 2015, lançou a obra “Direito dos Valores Mobiliários”, com quase mil páginas, trazendo uma abordagem prática e acessível sobre os mecanismos do mercado de capitais brasileiro.
Na visão do constitucionalista Oscar Vilhena, amigo e colega na FGV, Ary Mattos Filho emprestou sua reputação para resgatar a credibilidade da CVM num momento crítico. “Ele era um homem que vivia para a leitura”, lembrou Vilhena, destacando seu gosto por música clássica, vinhos e fins de semana tranquilos no sítio de Ibiúna.
Homenagens e despedida
O escritório Mattos Filho divulgou nota lamentando o falecimento, exaltando o “legado de grande aprendizado, empreendedorismo e generosidade”. Também se manifestaram a OAB-SP, a FGV e o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), que enalteceu a contribuição do jurista ao diálogo entre academia, advocacia e instituições.
Ary Oswaldo Mattos Filho deixa três filhos: Rebeca, do primeiro casamento, e Eduardo e Helena, do segundo. O local e horário do velório serão informados posteriormente.



