O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, autorizou nesta quinta-feira uma operação de busca e apreensão contra Mariangela Fialek, conhecida nos corredores de Brasília como “Tuca”. A servidora da Câmara dos Deputados é apontada pelas investigações da Polícia Federal como a peça-chave na operacionalização e distribuição irregular de emendas parlamentares, atuando diretamente sob as ordens da antiga presidência da Casa, exercida pelo deputado Arthur Lira. A decisão visa desmantelar o que as autoridades classificam como a continuidade do “orçamento secreto”, mesmo após as restrições impostas pela Corte Suprema. Lira, no entanto, não é formalmente investigado
O centro nervoso do esquema
A operação foi desencadeada após o cruzamento de depoimentos de parlamentares e a análise de dados telemáticos que indicam que Tuca não apenas organizava, mas controlava rigidamente a destinação de verbas públicas. Segundo a decisão judicial, a servidora mantinha um sistema paralelo de contabilidade, muitas vezes rudimentar, para gerenciar milhões de reais em emendas.
A investigação aponta que a influência de Tuca transcendia a burocracia comum. Ela é descrita como a responsável por receber e validar as indicações de recursos que beneficiavam aliados políticos, operando um “balcão de negócios” dentro da estrutura legislativa. O ministro Flávio Dino destacou em sua decisão que há “indícios extremamente robustos” de que a Câmara continua a descumprir as determinações de transparência exigidas pelo STF e que a investigada mantém papel relevante nesse processo.
“Conta de padaria”: a gestão milionária
Um dos pontos mais chamativos revelados pela investigação é a informalidade com que verbas milionárias eram tratadas. A Polícia Federal apreendeu anotações manuscritas de Tuca que funcionavam como ordens de pagamento e transferência de recursos entre municípios, apelidando o método de gestão de “conta de padaria”.
Em um manuscrito específico anexado aos autos, Tuca anota a troca de beneficiários de emendas vinculadas à CODEVASF — estatal na qual ela ocupava assento no conselho fiscal. O documento mostra a realocação de verbas originalmente destinadas a Nova Russas para o município de Reriutaba, ambos no Ceará, atendendo a um pedido do deputado Junior Mano, com a anotação manual de “objeto: pavimentação em pedra tosca”.
Para a Polícia Federal, essa desorganização proposital servia para dificultar o rastreamento do dinheiro público e ocultar os verdadeiros padrinhos das emendas, permitindo que recursos fossem direcionados baseados apenas em comandos verbais e interesses políticos, sem critérios técnicos ou republicanos.
A sombra de Arthur Lira
Embora a operação tenha como alvo a servidora, a decisão judicial coloca o deputado Arthur Lira no centro da narrativa investigativa. Depoimentos colhidos pela PF, como o do deputado José Rocha, detalham um mecanismo de pressão e ameaça contra presidentes de comissões que se recusavam a aceitar as listas de pagamentos enviadas por Tuca.
O documento cita que o deputado, então presidente de uma comissão, teria sido ameaçado de destituição pelo próprio Lira por não encaminhar uma lista de pagamentos que beneficiava o estado de Alagoas. Rocha confirmou aos investigadores que recebia planilhas de Tuca sem a identificação dos autores das emendas e que, ao questionar a origem, era cobrado pela presidência da Casa.
A investigação também destaca o volume desproporcional de recursos enviados para o município de Rio Largo (AL), reduto de aliados de Lira. A cidade, com cerca de 70 mil habitantes, recebeu aproximadamente 90 milhões de reais do orçamento secreto, levantando suspeitas de desvios e lavagem de dinheiro. O ministro Dino ressaltou que a Comissão de Turismo destinou verbas maciças para Alagoas, mesmo sem ter nenhum parlamentar daquele estado em sua composição, o que sugere uma “interferência direta” da antiga presidência.
Medidas cautelares e afastamento
Diante da gravidade dos fatos e do risco de destruição de provas, a Justiça determinou a busca e apreensão na residência de Mariangela Fialek, na Asa Sul, e em seu gabinete na Câmara dos Deputados. O objetivo é apreender computadores, celulares e documentos que possam expor a extensão total da rede de influência e identificar outros partícipes.
Além das buscas, foi determinado o afastamento imediato de Tuca de qualquer função pública relacionada à execução de emendas parlamentares. A decisão enfatiza que a manutenção da servidora no cargo representava um risco à instrução processual e à própria ordem pública, dada a continuidade das práticas delitivas investigadas.
A operação marca um novo capítulo no escrutínio sobre o uso das verbas orçamentárias em Brasília, sugerindo que o fim oficial do “orçamento secreto” não encerrou as práticas de barganha política nos bastidores do Congresso.



