Por Hylda Cavalcanti
Você faz um investimento de R$ 150 mil em criptomoedas, descobre que foi vítima de golpe aplicado pelo operador de um esquema de pirâmide financeira, denuncia e logo depois, as investigações policiais descobrem que esse mesmo operador doou, nos últimos anos, R$ 72 milhões à Igreja Universal do Reino de Deus. Quem tem de ressarcir quem neste caso?
Em meio a essa confusão, que resultou em um processo em tramitação no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), os magistrados decidiram que no caso específico quem vai pagar é a Igreja Universal — principal entidade a quem foi doado o dinheiro pelo golpista
Ilicitude das doações
O processo, que chamou a atenção pelo caráter peculiar, levou em conta, conforme a avaliação dos magistrados do DF, o fato de a Igreja não ter percebido o caráter ilícito de doações em montantes tão grandes.
O magistrado relator, cujo nome não foi divulgado pelo TJDFT, afirmou que os responsáveis pela igreja tiveram “cegueira deliberada” em relação ao caso.
Investimento em criptomoedas
O processo foi julgado essa semana pela 4ª Turma Cível da Corte. Tomou como base ação judicial movida por um homem que investiu em criptomoedas contra o responsável pelo esquema de pirâmide e duas empresas para onde ele fazia doações, além da instituição religiosa (sendo que, na Universal, entraram os valores mais significativos).
Foram estas: a G.A.S Consultoria & Tecnologia Ltda e a M Y D Zerpa Tecnologia Ltda. As investigações levaram ao montante doado e à constatação de que o dinheiro tinha origem em atividades ilícitas. A igreja reconheceu ter recebido as doações, mas alegou desconhecer a origem criminosa dos depósitos.
1ªvara julgou improcedente
Em primeira instância, o juiz da 1ª Vara Cível de Sobradinho julgou improcedente o pedido contra a Igreja Universal, pois entendeu que não havia provas de sua participação no esquema fraudulento.
A sentença condenou apenas o golpista e suas empresas a restituir o valor investido, mas isentou a instituição religiosa de qualquer responsabilidade. O homem que perdeu o dinheiro, então, recorreu da decisão, sob a alegação de que a igreja “aceitou doações milionárias sem questionar adequadamente a origem”.
“Cegueira deliberada”
No TJDFT, o relator do recurso, desembargador cujo nome não foi divulgado pelo Tribunal, afirmou que a Universal teve “cegueira deliberada, da qual a intencional ignorância acerca da ilicitude e da gravidade não pode elidir a responsabilidade”.
Segundo ainda esse desembargador, a Igreja Universal deveria ter suspeitado da origem dos recursos, tendo em vista que se tratava de doações em valores extraordinários feitas por um morador de Cabo Frio — “cidade turística, onde não é comum alguém enriquecer rapidamente de forma lícita”.
Nulidade das doações
O colegiado da Turma então, entendeu que a instituição “fingiu” não perceber a situação de ilicitude para obter vantagem financeira. Os desembargadores declararam nulas as doações, conforme o artigo 166 do Código Civil, que estabelece a nulidade de negócios jurídicos com objeto ilícito.
Dessa forma, o Tribunal determinou que a Igreja Universal restitua o investidor na proporção correspondente ao valor que ele perdeu no esquema, com base no montante total das doações recebidas. A decisão foi tomada no julgamento do Processo de Nº 0704466-31.2022.8.07.0009, por maioria de votos.
— Com informações do TJDFT