Por Hylda Cavalcanti
O Distrito Federal (DF), justamente onde fica localizado o centro do poder no país, vive uma polêmica do ponto de vista político, legislativo e que certamente vai resultar em consequências judiciais, conforme já está sendo propagado por parlamentares, jornalistas, advogados e profissionais diversos.
Isto porque o governador, Ibaneis Rocha (MDB), sancionou na última terça-feira (21/10) a lei distrital 7.754 que cria o “Dia da Memória das Vítimas do Comunismo” no calendário oficial do DF – cuja área territorial abrange Brasília e regiões administrativas.
4 de junho
A legislação passa a definir dia 4 de junho como data oficial, na qual “o poder público pode organizar atividades que proporcionem reflexão acerca dos danos à humanidade causados pelas ditaduras comunistas ao longo da história”.
Para o deputado distrital que apresentou o projeto na Câmara Legislativa, Thiago Manzoni (PL), o objetivo é “gerar reflexão na sociedade do DF por todas as mortes causadas por regimes baseados nessa ideologia, de modo que, de nenhuma maneira, o Brasil seja alcançado por esse mal”.
‘Revisionismo que ignora vítimas da ditadura’
Manzoni ainda disse na justificativa do texto que escolheu a data 4 de junho por ser o dia em que aconteceu o chamado “massacre da Praça da Paz Celestial”, quando o governo chinês reprimiu manifestações populares em 1989. “Debaixo do manto da busca pela igualdade social e pelo ‘fim da exploração econômica do capital sobre os trabalhadores’, diversos regimes ascenderam ao poder e proporcionaram verdadeiros massacres à sua população”, frisou o deputado.
Para muita gente, a lei foi chamada de absurda. Tanto que o chefe da Assessoria Institucional do governo do DF, jornalista Bartolomeu Rodrigues, pediu demissão do cargo nesta sexta-feira (24/10). Rodrigues afirmou que considera a legislação um ato de “revisionismo histórico, que ignora vítimas da ditadura militar brasileira”.
Imperativo ético
O jornalista destacou que sua decisão representa “um imperativo ético ante a sanção de uma lei abjeta que institui uma data para celebrar a ‘memória das vítimas do comunismo’ no DF”.
“Esta tentativa de revisionismo nega nossa história, reabre feridas e cria fantasmas onde não existem, enquanto ignora cadáveres reais, como o do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, cujo assassinato nos porões do DOI-Codi é lembrado justo neste mês de outubro. Há 50 anos, ele foi uma das milhares de vítimas de uma ditadura militar que, em nome do ‘anticomunismo’, institucionalizou a tortura como política de Estado”, acrescentou.
‘Mentes retrógradas’
Rodrigues também destacou que ainda durante o mês de outubro “recorda-se o desaparecimento de Honestino Guimarães, líder da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (FEUB)”. “Em 1973, enquanto cursava Geologia na Universidade de Brasília (onde me formei), Guimarães foi sequestrado pelo regime militar, submetido a sessões de tortura indescritíveis e só dado como morto em 1996. Tinha 26 anos”, relatou.
Segundo o jornalista, “ver hoje o Distrito Federal, a capital da esperança sonhada por Juscelino (este também cassado de seus direitos políticos pela ditadura) adotar tal dispositivo é uma agressão à memória de JK, de Oscar Niemeyer, de Darcy Ribeiro e de todos os que se sacrificaram na luta contra o arbítrio. Representa ceder, a qualquer custo, às mentes mais retrógradas de uma página sombria de nossa história”.
O profissional avisou que deixa o governo do DF, mas integrará a luta de parlamentares e advogados que pretendem se mobilizar pela revogação da lei.



