Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (13) que o recreio deve ser contabilizado como parte da jornada de trabalho dos docentes. De acordo com a decisão, o recreio constitui tempo à disposição do empregador, desde que o professor não exerça nesse período atividades particulares. A decisão não produz efeitos retroativos.
O caso chegou ao Supremo por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1058, apresentada pela Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (Abrafi), que contestava decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Venceu o entendimento do relator, ministro Gilmar Mendes, que na sessão anterior reajustou seu voto incluindo a proposta do ministro Flávio Dino, que havia divergido. O presidente do STF, Edson Fachin, foi o único ministro a votar pela improcedência da ação.
Decisão afasta presunção absoluta
A ação foi aceita parcialmente pelo Supremo em dois pontos principais. Primeiro, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade da presunção absoluta que não admite prova em contrário, segundo a qual o intervalo temporário de recreio escolar da educação básica e do ensino superior constitui obrigatoriamente tempo em que o professor se encontra à disposição de seu empregador.
Em segundo lugar, a Corte estabeleceu que, na ausência de previsão legal ou negociação coletiva estabelecendo orientação diversa, tanto o recreio escolar quanto o intervalo constituem, em regra, tempo do professor à disposição do empregador. No entanto, admite-se a prova de que durante o recreio escolar ou intervalo o professor dedica-se à prática de atividades de cunho estritamente pessoal, afastando-se em tal hipótese o cômputo da jornada diária de trabalho.
Na prática, a decisão transfere ao empregador o ônus de comprovar que o professor utilizou o período de recreio para atividades pessoais, caso queira deixar de remunerar esse tempo.
Flávio Dino defende regra geral de disponibilidade
Na sessão desta quinta-feira, o ministro Flávio Dino afirmou que é atribuição da instituição o ônus da prova, cabendo a ela comprovar aquilo que não corresponde à regra geral, que estabelece que se o docente está na escola durante um intervalo, significa que ele está à disposição do empregador. “Não compete ao empregado provar que estava à disposição ou provar que estava em trabalho efetivo”, afirmou o ministro.
Dino destacou que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê intervalos diferentes e que o recreio é de interesse das instituições e não dos professores. Segundo o ministro, intervalos não remunerados são aqueles previstos em lei e não os impostos pelo empregador ao empregado, como é o caso do recreio escolar.
“Sinceramente, eu não consigo imaginar alguém que ache razoável descontar o tempo do professor que foi ao banheiro, tomar um café. Considero que esse debate não tem a estatura suficiente para chegar ao Supremo, porque isso é exótico”, declarou Flávio Dino durante seu voto. O ministro reformulou sua proposta após Gilmar Mendes ter aderido à sua tese.
Maioria acompanha relator
Os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes também afastaram a presunção absoluta e acompanharam o voto do relator. A formação dessa maioria consolidou o entendimento de que o recreio deve ser remunerado, mas admite prova em contrário por parte do empregador.
O ministro Nunes Marques, no entanto, apresentou posição diferenciada. Ele avaliou que não há previsão legal expressa para a remuneração de intervalo, mas defendeu que o pagamento desse período pode ser instituído em convenções coletivas. Em sua argumentação, Marques ressaltou que o salário do professor é contabilizado por horas-aula, por meio de definição legislativa.
Segundo Nunes Marques, se o intervalo foi incorporado à jornada, isso deverá constar no contrato da carteira de trabalho.
Relator reajusta posição após divergência
Na tarde de quarta-feira, o ministro Gilmar Mendes reajustou seu voto, incluindo sugestão feita por Flávio Dino. O relator passou a reconhecer que cabe ao empregador o ônus de comprovar que o recreio foi utilizado para atividades pessoais do professor, e não para fins profissionais. Essa mudança foi decisiva para a formação da maioria no julgamento.
O decano do Tribunal esclareceu que o Supremo tem aceitado a admissibilidade de ADPFs contra conjuntos de decisões judiciais da Justiça do Trabalho e propôs a conversão do referendo da medida cautelar em análise de mérito. Mendes considerou que a presunção absoluta reconhecida pelo TST, por não admitir prova em contrário e criar regra geral sem respaldo legislativo, seria inconstitucional.
Para o ministro, a decisão da Justiça do Trabalho não tem base legal e afronta os princípios da legalidade, da livre iniciativa e da intervenção mínima na autonomia coletiva entre professores e instituições de ensino. Segundo seu entendimento, empregadores e trabalhadores poderiam negociar livremente as condições de trabalho por meio de acordos e convenções coletivas.
Fachin fica isolado na divergência
O presidente do STF, ministro Edson Fachin, divergiu do relator e votou para não acolher o pedido das mantenedoras. Na avaliação de Fachin, o requisito da subsidiariedade – item necessário para admitir uma ADPF – não foi atendido no caso. O ministro ressaltou que existem outros meios eficazes para impugnação de decisões judiciais, tornando desnecessário o uso desse instrumento constitucional.
Fachin citou casos semelhantes já julgados pelo Supremo e ressaltou que a ADPF serve para tutelas de natureza objetiva, e não para questionar situações jurídicas individuais. O ministro sustentou ainda que o entendimento adotado pelo TST representa interpretação possível da CLT, não havendo ilegalidade na decisão contestada pelas instituições de ensino.
Segundo Fachin, a decisão do TST se baseia no princípio da primazia da realidade, pelo qual os fatos reais de uma relação de trabalho prevalecem sobre os documentos formais. O ministro afirmou que a vivência prática evidencia que, no intervalo entre aulas, o professor permanece subordinado à “dinâmica institucional”, estando à disposição do empregador para atender demandas que possam surgir.



