Após 52 depoimentos de testemunhas, o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para interrogar os oito membros do chamado “núcleo crucial” da suposta tentativa de golpe de Estado, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. Os interrogatórios começam na próxima semana e representam etapa decisiva do processo, onde os réus poderão esclarecer ou rebater as acusações que fundamentam a denúncia do Ministério Público.
O ministro Alexandre de Moraes e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, conduziram as audiências com testemunhas nas últimas duas semanas. Durante os depoimentos, ambos demonstraram método específico para elucidar a participação dos investigados na trama.
Ao final de cada depoimento, Moraes e Gonet escolhiam estrategicamente se fariam perguntas às testemunhas. Os questionamentos focaram em detalhes que podem definir o papel dos réus no esquema investigado.
Ordem dos interrogatórios já foi definida pelo STF
As audiências dos réus começarão com o depoimento de Mauro Cid, que firmou acordo de colaboração premiada. Na sequência, os demais réus serão ouvidos em ordem alfabética pelo tribunal.
Os interrogados serão Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto. Todos os depoimentos ocorrerão de forma presencial no STF, com uma única exceção.
Braga Netto será ouvido por videoconferência porque está preso preventivamente no Rio de Janeiro. O anúncio das datas foi feito por Moraes após o fim das audiências com testemunhas.
Testemunhas da acusação reforçaram teor da denúncia
A avaliação entre ministros da Corte é que os nomes indicados pela acusação reforçaram a denúncia da PGR. Segundo magistrados, essas testemunhas ajudaram a esclarecer detalhes importantes do processo investigativo.
As testemunhas das defesas, contudo, não trouxeram elementos novos significativos para o caso. A “maratona” de depoimentos contou com relatos considerados contundentes dos ex-comandantes das Forças Armadas.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, fez defesa de Bolsonaro durante seu depoimento. Houve também debates acalorados, como o protagonizado pelo ex-ministro Aldo Rebelo nas audiências.
Ministros do STF participaram ativamente das audiências
Além de Moraes e Gonet, o ministro Luiz Fux também fez questionamentos a parte das testemunhas indicadas. Outros ministros da Primeira Turma acompanharam o início das audiências, mas sem fazer perguntas diretas.
A participação efetiva dos ministros demonstra a importância excepcional do caso para o tribunal. Em outros processos, essa etapa costuma ser delegada a auxiliares dos magistrados.
A presença dos ministros possibilitou oportunidades diretas de esclarecer pontos dos fatos investigados. Essa abordagem permitiu maior profundidade na coleta de informações relevantes ao julgamento.
Ex-comandantes militares prestaram depoimentos contundentes
Na primeira semana foram ouvidos os ex-comandantes do Exército Freire Gomes e da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior. Os militares confirmaram reuniões no Palácio do Alvorada sobre instauração de Estado de Sítio após 2022.
Freire Gomes disse ter sido chamado pelo ex-presidente para discutir documento que classificou como “estudo”. O militar afirmou que os instrumentos estão previstos na Constituição e não lhe causaram “espécie”.
Alexandre de Moraes questionou a versão apresentada, considerando que estava diferente do depoimento à Polícia Federal. No fim da audiência, o ministro leu trechos do depoimento anterior, confirmados por Freire Gomes.
Comandante da Marinha esclareceu ausência de antecessor
O atual comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, foi questionado sobre a postura de seu antecessor Almir Garnier Santos. Garnier, que é réu na ação, faltou à cerimônia de transmissão do cargo naval.
“O almirante Garnier apresentou algum atestado médico, estava gravemente enfermo, ou o senhor atribui a que essa ausência dele nessa cerimônia tão importante?”, perguntou Gonet ao comandante. Segundo Olsen, não foi apresentada “qualquer razão para sua ausência” na solenidade.
Moraes continuou o questionamento perguntando se a ausência configurou quebra de tradição militar. O comandante relatou que não há registros de outro ex-comandante ter faltado ao evento.
Mourão nega monitoramento e encontros secretos
O senador Hamilton Mourão foi perguntado por Moraes sobre relato de Mauro Cid de monitoramento ordenado por Bolsonaro. Segundo a colaboração, o ex-presidente desconfiava que Mourão se encontrava secretamente com o ministro do STF.
“Nós dois sabemos que o senhor nunca veio a São Paulo se encontrar comigo. Mas eu gostaria de saber se o senhor ficou, à época, sabendo, de um eventual monitoramento”, questionou Moraes ao ex-vice-presidente.
Mourão negou conhecimento do monitoramento e alegou que, se quisesse encontrar o ministro, avisaria Bolsonaro. O ex-vice-presidente disse que eles não são “bandidos” para se encontrarem às escondidas.