Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar um recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) que questiona o entendimento de que a prerrogativa de foro permanece mesmo após a autoridade deixar o cargo. A discussão ocorre no julgamento conjunto do Habeas Corpus 232627 e do Inquérito 4787, em sessão no plenário virtual, com prazo para votação até 19 de dezembro.
Até o momento, apenas o relator, ministro Gilmar Mendes, apresentou seu voto, acolhendo parcialmente o recurso da PGR. O magistrado propôs parâmetros mais claros para orientar juízes e tribunais sobre a aplicação da prerrogativa de foro, especialmente em casos envolvendo ocupantes de cargos vitalícios e crimes praticados durante processos eleitorais.
PGR pede esclarecimentos sobre decisão de março
Nos embargos de declaração, a Procuradoria-Geral da República indica quatro aspectos da decisão que precisam ser aprofundados pelo tribunal. O primeiro deles trata da modulação de efeitos, com pedido para manter em primeira instância os processos com instrução já encerrada, e não apenas preservar os atos já praticados.
A PGR também solicita o estabelecimento de critérios mais específicos para casos em que o acusado exerceu sucessivamente cargos sujeitos a diferentes foros. Outro ponto levantado é a aplicação da nova orientação para cargos vitalícios, como aqueles ocupados por membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, Forças Armadas e carreiras diplomáticas.
Por fim, o órgão questiona como deve ser tratado o foro para crimes praticados a pretexto do exercício do cargo público durante o processo eleitoral.
Gilmar Mendes propõe parâmetros para aplicação da regra
O ministro Gilmar Mendes acolheu o pedido da PGR por entender que se trata de oportunidade para que o plenário construa parâmetros capazes de orientar juízes e tribunais, eliminando incertezas. Para o relator, não há dúvida de que as conclusões se aplicam aos ocupantes de cargos vitalícios, incluindo juízes, promotores, conselheiros de Tribunais de Contas e membros das Forças Armadas.
“Com essa proposta, busca-se reduzir o risco de nulidades e oscilações de competência – fatores que não contribuem para o adequado funcionamento da Justiça Criminal”, afirmou o ministro em seu voto. Segundo Mendes, um crime funcional cometido por juiz ou promotor de justiça será processado segundo as regras do foro especial, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após o desligamento do cargo.
Medidas propostas
O relator propôs três balizas principais para orientar a aplicação da prerrogativa de foro. A primeira estabelece que a orientação alcança todos os titulares de foro, incluindo ocupantes de cargos vitalícios. A segunda prevê a aplicação da regra de prevalência do órgão de maior graduação nos casos de exercício sucessivo de cargos com diferentes foros. A terceira estabelece que o foro privativo, em princípio, não alcança crimes praticados durante campanhas eleitorais a pretexto do exercício do cargo público.
No entanto, essa regra não prevalece em duas situações: quando a autoridade, depois de assumir o cargo com prerrogativa de função, vier a praticar crimes funcionais conexos aos primeiros; ou se estiver presente qualquer outro motivo que atraia a competência originária do tribunal. O objetivo é evitar que crimes eleitorais sejam automaticamente beneficiados pelo foro privilegiado.
Gilmar Mendes também votou para rejeitar o pedido de ampliação da modulação de efeitos da decisão, reafirmando que a orientação tem incidência imediata. Isso significa que a nova regra se aplica desde já aos processos em andamento, sem período de transição.
Mudança de entendimento em 2025
Em março deste ano, por maioria, o STF decidiu que a prerrogativa de foro para casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele deve ser mantida após a saída da função. A decisão representou uma mudança em relação ao entendimento anterior do tribunal.
Em maio de 2018, no julgamento da questão de ordem na Ação Penal 937, o plenário havia decidido que o foro por prerrogativa de função se aplicava apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Com aquela regra, a ação penal contra autoridade só permaneceria no STF se a instrução processual já tivesse sido concluída quando ela deixasse o cargo.



