Da redação
O Supremo Tribunal Federal (STF) dá continuidade nesta quinta-feira (11) ao julgamento que pode redefinir o futuro da demarcação de terras indígenas no Brasil. Em pauta, quatro ações questionam a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023), norma que estabelece critérios para o reconhecimento de territórios ancestrais e demarcação de áreas dos povos originários. O tribunal analisa conjuntamente a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586, todas sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Após audiências realizadas pelo STF, foi possível costurar um acordo para uma proposta de alteração da Lei do Marco Temporal, com a aprovação de uma minuta conjunta contendo diversos pontos consensuais entre as partes. Em abril de 2024, o ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão de todos os processos judiciais que discutam a constitucionalidade da lei até que o STF se manifeste definitivamente.
A tese do Marco Temporal determina que os povos originários teriam direito apenas às terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Derrubada pelo STF em setembro de 2023, a tese foi restabelecida pelo Congresso Nacional três meses depois, por meio da aprovação da lei que agora está sob análise da Corte.
Defensores alegam necessidade de segurança jurídica
Durante as sustentações orais realizadas na sessão de quarta-feira (10), representantes favoráveis à lei argumentaram que o Marco Temporal é essencial para garantir segurança jurídica e pacificar conflitos fundiários. Rudy Maia, advogado do partido Progressista, defendeu o diálogo como solução para os conflitos e destacou que o processo de demarcação de terras indígenas apresenta diferenças significativas entre as regiões do país. Para ele, a pacificação do tema depende da segurança jurídica proporcionada pela tese do Marco Temporal.
Jules Michelet, advogado da Câmara dos Deputados, afirmou que o Poder Legislativo seguiu a jurisprudência do STF ao incluir o Marco Temporal na Lei 14.701, transformando-a no estatuto das terras indígenas com garantias e responsabilidades do Estado. “É falso afirmar que o Marco Temporal é um óbice à demarcação de terras indígenas”, argumentou Michelet, sustentando que o que trava a resolução da questão não é uma tese abstrata, mas conflitos concretos que precisam ser endereçados.
Daniele Pereira, representante do Senado, também defendeu a validade da lei, argumentando que não se questiona o dever do Estado de reconhecer os direitos dos povos originários, mas sim como e em que extensão essas políticas públicas devem ser garantidas, especialmente quando afetam interesses de não indígenas de boa-fé. Segundo ela, é necessário contemplar direitos e deveres de todas as pessoas envolvidas no conflito fundiário.
Povos indígenas denunciam violações e ameaças ambientais
Do lado oposto, representantes dos povos indígenas e de entidades que defendem seus direitos apresentaram argumentos contundentes contra a constitucionalidade da lei. Ricardo Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, afirmou que a promessa de paz social da lei jamais foi cumprida durante sua vigência. Ele destacou a relevância internacional do julgamento e alertou que as consequências da decisão do STF serão sentidas pelas próximas gerações de indígenas.
Para Terena, a legislação representa um grave risco para a efetividade da demarcação, ameaçando inviabilizar os processos administrativos em todo o país. Maria de Oliveira Carneiro reforçou o argumento ao ressaltar que a lei abre brechas para revisões territoriais e restrições indevidas, funcionando “como combustível para conflitos em áreas já vulnerabilizadas”. A advogada sustentou ainda que as terras indígenas são os instrumentos mais eficientes na proteção ambiental brasileira.
“Ou o Brasil protege terras indígenas, ou perde sua credibilidade”, afirmou Carneiro, destacando a importância da questão para os compromissos ambientais internacionais do país. Dinamam Tuxá, advogado do Psol e indígena, se emocionou ao defender a inconstitucionalidade da norma, argumentando que ela provoca uma série de violações aos direitos dos povos originários e solicitando que o Estado brasileiro finalize as demarcações pendentes.
Proposta de emenda constitucional acirra debate
A discussão sobre o Marco Temporal ganhou novo capítulo com a aprovação pelo Senado, na terça-feira, de uma proposta de emenda constitucional que insere a tese na Constituição Federal e impõe limites à reivindicação de terras pelos povos indígenas. Paulo Machado Guimarães, representante do PCdoB e Partido Verde, criticou duramente a PEC durante sua sustentação oral no STF. A proposta ainda precisa ser analisada pela Câmara dos Deputados.
A pauta do tribunal também inclui outros temas relevantes, como a discussão sobre a homologação do acordo entre União e Eletrobras após o processo de desestatização (ADI 7385) e a continuidade do julgamento sobre o reconhecimento de graves violações de direitos da população negra no Brasil (ADPF) 973. Também estão previstos processos sobre indenização a procuradores de Santa Catarina pelo uso de veículo próprio no trabalho e benefícios fiscais na comercialização de agrotóxicos (ADI) 7258.



