Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (3) o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1469150, que discute se pessoas aposentadas por incapacidade permanente decorrente de doenças graves, contagiosas ou incuráveis têm direito a receber aposentadoria integral, sem a aplicação do redutor previsto na Reforma da Previdência de 2019. O julgamento foi suspenso com o placar de 5 a 4 para invalidar a regra.
Os ministros analisam a alteração promovida pela Emenda Constitucional 103/2019 no cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente causada por doença grave, contagiosa ou incurável. A mudança estabeleceu que, nesses casos, o valor mínimo do benefício será de 60% da média aritmética dos salários do trabalhador, com acréscimo de 2 pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder 20 anos. Até o momento, cinco ministros votaram pela inconstitucionalidade da norma e quatro defenderam a validade da regra.
Divergência se forma no plenário com votos pela inconstitucionalidade
O ministro Flávio Dino abriu a divergência ao voto do relator, o ministro aposentado Luís Roberto Barroso, que havia se posicionado pela constitucionalidade da norma antes de deixar o tribunal. Dino ressaltou que a norma constitucional conduz à ideia de que deficiência é deficiência sem distinção, impondo incapacidade e limitações ao cidadão independentemente da origem do problema de saúde.
O ministro afirmou que não há, sob o ponto de vista do direito constitucional, razão para que uma pessoa com incapacidade tenha benefício integral e outra receba apenas 60% da média salarial. Na avaliação de Dino, não é compreensível que uma pessoa com incapacidade temporária, ao adquirir incapacidade definitiva, perca até 30% do valor do benefício, justamente no momento em que sua situação de saúde se agrava.
Dino negou provimento ao recurso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e propôs tese fixando que é inconstitucional a regra de aferição da renda mensal inicial para os benefícios por incapacidade permanente ao diminuir o valor de benefícios não decorrentes de acidente de trabalho. O ministro determinou ainda que o INSS estabeleça um prazo para os efeitos da decisão, permitindo uma transição adequada.
Fachin aponta cinco violações constitucionais na norma
O ministro Edson Fachin acompanhou o voto divergente de Flávio Dino por entender que a fórmula de cálculo estabelecida pelos dispositivos questionados fere a Constituição Federal e os princípios do Estado Democrático de Direito. Fachin destacou em seu voto que há pelo menos cinco violações constitucionais na regra criada pela Reforma da Previdência.
Entre as violações apontadas pelo ministro está o desrespeito à Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, e afronta ao princípio da isonomia, que determina o tratamento igualitário entre pessoas em situações semelhantes. Para Fachin, a distinção criada pela norma entre pessoas com incapacidade permanente causada por acidente de trabalho e aquelas acometidas por doenças graves não encontra justificativa razoável.
Moraes muda voto e critica “situação absurda”
O ministro Alexandre de Moraes anunciou a mudança de seu voto, destacando que se trata de uma “situação absurda” e que não há nenhuma razoabilidade na distinção criada pela norma, a não ser a justificativa puramente financeira para os cofres públicos.
Moraes criticou especialmente o fato de a norma prever benefício integral apenas em caso de acidente de trabalho que gerou incapacidade permanente, enquanto reduz o valor da aposentadoria se a incapacidade for motivada por doenças graves como câncer, igualmente incapacitante.
Os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia também aderiram à corrente divergente, consolidando o placar de 5 votos a 4 pela inconstitucionalidade do redutor aplicado às aposentadorias por incapacidade permanente.
Ministros defendem validade da Reforma da Previdência
Do lado oposto, os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques acompanharam o voto do relator, ex-ministro Luís Roberto Barroso, defendendo que é constitucional o pagamento do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente nos termos fixados pela Reforma da Previdência. Zanin reafirmou seu posicionamento seguindo a mesma linha argumentativa do relator.
Para o ministro André Mendonça, o artigo 26 da Emenda Constitucional 103/2019, que estabeleceu as novas regras de cálculo para aposentadorias por incapacidade permanente substituindo a antiga aposentadoria por invalidez, é válido e deve ser mantido. O ministro Nunes Marques também acompanhou o relator e deu provimento ao recurso do INSS, defendendo a manutenção da norma questionada.
Caso concreto envolve segurado do Paraná
O recurso, que tem repercussão geral reconhecida sob o Tema 1.300, foi movido pelo Instituto Nacional do Seguro Social contra decisão favorável a Artur Oreles de Medeiros. A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Paraná havia determinado o pagamento de aposentadoria integral ao segurado, afastando o redutor introduzido pela Reforma da Previdência.
A decisão do STF sobre este caso terá efeito vinculante, ou seja, deverá ser seguida por todos os tribunais do país em casos semelhantes, estabelecendo um precedente importante para milhares de segurados que se encontram na mesma situação. Ao se manifestar sobre a repercussão geral, antes de se aposentar, o ministro Luís Roberto Barroso ressaltou a natureza constitucional da controvérsia e sua relevância sob os pontos de vista econômico, político, social e jurídico.
O ex-presidente do STF fez questão de esclarecer que o tema em julgamento não diz respeito a acidente de trabalho, doença profissional ou doença do trabalho, que decorrem do comportamento do empregador quanto à adoção de medidas de proteção, segurança e saúde do trabalhador.



