Por Hylda Cavalcanti
Uma decisão inédita que tende a ser objeto de debate entre juristas foi formalizada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ministros da Corte decidiram considerar aplicável o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) para crimes julgados pela Justiça Militar.
A condição para isso é que se tratem de crimes de menor potencial ofensivo e praticados por militares. Acontece que esse mesmo acordo não é aceito pela Justiça Militar. No caso do STJ, os ministros das duas turmas criminais do STJ argumentaram que seguiram jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) neste sentido.
Posição diversa do STM
Acontece que em março passado, o Superior Tribunal Militar (STM) destacou, num julgamento que abordou a questão, que desde a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, que instituiu o ANPP, o Tribunal tem se posicionado “reiteradamente” no sentido de que esse mecanismo não pode ser utilizado na Justiça Militar.
No mesmo julgamento, cinco meses atrás, os ministros do STM também acentuaram que, em 2022, a Corte aprovou a Súmula 18, consolidando o entendimento de que o artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP) não se aplica à Justiça Militar da União (JMU).
Em 2024, essa posição foi reforçada, quando o STM decidiu que o CPP só pode ser aplicado subsidiariamente na Justiça Militar quando houver omissão no Código de Processo Penal Militar (CPPM). E desde que essa aplicação não contrarie a essência do processo castrense.
Interpretação do CPP E DO CPPM
No julgamento do STJ, o colegiado considerou que o acordo de não persecução penal ANPP é, sim, aplicável a crimes julgados pela Justiça Militar, conforme “interpretação sistemática” do artigo 28-A do CPP e do artigo 3º do CPPM.
O ANPP é um ajuste celebrado entre o Ministério Público e a pessoa investigada, e foi instituído pela Lei “anticrime” (Lei 13.964/2019) nos casos de crimes menos graves. Consiste em uma medida alternativa prevista no CPP para crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a quatro anos.
Resposta mais rápida
O objetivo do ANPP é evitar o processo judicial tradicional, desde que o investigado se comprometa a cumprir certas condições para reparar o dano causado. Para, dessa forma, dar uma resposta mais rápida e efetiva à sociedade.
Para isso, a pessoa deve confessar a prática dos delitos e cumprir determinadas condições legais e as ajustadas entre as partes, evitando a continuidade do processo. As condições podem passar, por exemplo, por prestar serviços à comunidade, pagar indenização ao ofendido ou cumprir outras medidas que promovam a reparação do dano.
O acordo é, sempre, firmado pelo MP, o investigado e seu defensor e homologado pelo Juiz. Conforme estabelece ainda a legislação, se forem descumpridas quaisquer condições estipuladas, o Ministério Público deverá comunicar a Justiça para rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
Precedente do STF
Tanto a 5ª Turma quanto a 6ª Turma do STJ — que consistem nos colegiados responsáveis por processos de Direito Criminal na Corte — concederam a ordem em Habeas Corpus com o argumento de que estavam aplicando precedente da 2ª Turma do STF.
No caso julgado pela 5ª Turma, do Habeas Corpus (HC) Nº 993.294, o militar foi processado por falsificação de documento, previsto no artigo 311 do Código Penal Militar (CPM). Foi negada a ele audiência para oferecimento do acordo.
Evolução jurisprudencial
Isto porque o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) aplicou ao caso entendimento do STM, segundo o qual o ANPP não se aplica aos crimes militares, tendo em vista sua evidente incompatibilidade com a lei castrense.
O relator do recurso no STJ, desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti, destacou que houve “evolução jurisprudencial do tema”, conforme o precedente da 2ª Turma do STF e o parecer do Ministério Público a favor.
Resposta penal
De acordo com o magistrado, “o oferecimento do ANPP respeita o princípio da individualização da pena e os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade”.
“Vale notar que o Ministério Público de origem ofertou ANPP ao paciente, reconhecendo a aplicação do referido instituto à Justiça Militar e a sua suficiência como resposta penal ao fato imputado”, acrescentou.
Aplicação subsidiária
O outro caso, julgado pela 6ª Turma do STJ — o HC Nº 988.351 — consistiu em recurso interposto pela defesa de um militar processado por abandono de posto com base no artigo 195 do CPM. O MP, da mesma forma que no caso anterior, ofereceu o acordo.
Mas o Conselho Militar indeferiu a homologação. Relator do Habeas Corpus, o ministro Og Fernandes também citou precedente do STF, especialmente a parte em que cita que o artigo 3º do CPPM “prevê a aplicação subsidiária da legislação processual penal comum nos casos omissos”.
“Por essa razão, institutos como o ANPP podem ser admitidos no processo penal militar, desde que não contrariem disposições específicas do rito castrense”, enfatizou o ministro.
No início do ano, ministros do STM reforçaram a posição de que a própria Lei nº 13.964/2019, ao introduzir o ANPP no CPP, não o incluiu no CPPM, o que demonstra um “silêncio eloquente” do legislador ao excluir sua aplicabilidade à Justiça Militar.
— Com informações do STJ e do STM