Da Redação
Num julgamento permeado por debates jurisprudenciais, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, nesta quinta-feira (14/08), acolher pedido de revisão criminal e absolveu um homem condenado por crimes de estupro e estupro de vulnerável. A decisão foi apertada: maioria de cinco votos a quatro. Tomou como fundamento o surgimento de uma nova prova e a retratação de duas das três vítimas. Os ministros julgaram procedente a revisão com base no artigo 621 do Código de Processo Penal (CPP).
O voto vencedor foi de divergência à posição do relator, aberta pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Prevaleceu o entendimento dele, de que o caso foi marcado, desde a investigação, por “declarações contraditórias e ausência de provas independentes”, e que “as retratações reforçam dúvida razoável sobre a ocorrência dos fatos”.
Entenda o caso
A denúncia foi oferecida em 2014 pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a partir dos depoimentos de duas supostas vítimas. Após ouvi-las e analisar laudos, o MP concluiu pela existência de “contradições relevantes”, inclusive sobre a presença de outras vítimas, e pediu o arquivamento da ação.
Porém, menos de dez dias depois, um conselheiro tutelar — que, de acordo com a defesa do condenado, tinha intenções políticas — também se apresentou como vítima e insistiu no desarquivamento do caso, o que levou a investigação a ser reaberta. Esse conselheiro, conforme afirmou a defesa do condenado nos autos, foi posteriormente afastado por decisão judicial em ação civil pública por “conduta incompatível com o cargo”.
Absolvição em primeira instância
Em primeira instância, o condenado foi absolvido diante da constatação do juízo de que, durante a instrução processual, as vítimas teriam apresentado versões “confusas e contraditórias, com inclusão de fatos e pessoas não mencionados antes”.
O caso subiu para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que reformou a decisão e condenou o homem a 15 anos de reclusão. Após a condenação, no julgamento de outro recurso, embargos infringentes, restabeleceram a absolvição do réu. Logo depois, decisão monocrática do então ministro Félix Fischer, do STJ (hoje aposentado), restabeleceu a condenação. O trânsito em julgado da ação foi declarado em 15 de junho de 2022.
Retratação das vítimas
Só que pouco mais de um mês depois, em 27 de julho de 2022, foi formalizada em ação de justificação judicial, a retratação de uma das vítimas. Em 24 de outubro de 2023 a segunda vítima também se retratou da representação por ata notarial. As duas disseram que não foram abusadas e nem testemunharam abusos. Confessaram que mentiram em juízo por “influência” da terceira pessoa que fez a acusação, interessadas na promessa de obter vantagem econômica com o caso.
Para a defesa, “a condenação baseou-se exclusivamente na palavra das vítimas, já considerada contraditória nas instâncias ordinárias, o que tornaria as retratações suficientes para rescindir o julgado”.
Voto do relator
O relator do pedido de revisão criminal interposto no STJ, ministro Rogério Schietti Cruz, votou pela improcedência do pedido. De acordo com ele, o caso envolve estupro praticado duas vezes, na forma continuada, e estupro de vulnerável em concurso material, com três vítimas. Schietti destacou que todas as vítimas prestaram depoimentos tanto na fase de inquérito quanto em juízo, narrando atos sexuais de diversas naturezas e apontando o acusado como autor.
“Eu não tenho condições, e acredito que ninguém aqui tem, de afirmar com segurança o que efetivamente ocorreu, se esses fatos se deram como narrado na versão inicial ou na versão final”, disse o magistrado. “O fato é que houve um processo judicial em que, como qualquer outro, se asseguraram ao acusado o respeito a todas as suas garantias processuais”, acrescentou.
Certeza absoluta ou dúvida razoável
O ministro afirmou, ainda, que “em uma ação de revisão criminal, para se desconstituir este título, precisaríamos ter, se não uma certeza absoluta, pelo menos uma dúvida bem razoável de que houve um erro judiciário”. “Teríamos de ter certeza que as provas foram indevitamente colhidas, de que não se respeitou a lei, de que houve falhas processuais, de que houve falsidade de depoimentos. E esta dúvida, agora, não me permite, segundo creio, desconstituir o julgado”, frisou o relator.
O ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ao abrir divergência da posição do relator, relembro que, na fase investigativa, o Ministério Público pediu arquivamento por inexistência de justa causa e que, “ao longo do processo, as instâncias ordinárias registraram contradições significativas nos depoimentos”.
Segundo o ministro, as vítimas, em todas as oportunidades em que foram ouvidas, apresentaram versões divergentes, não souberam indicar quando ocorreram os delitos e, em alguns casos, nem mesmo descreveram se houve violência ou grave ameaça. As testemunhas, mães e conselheiros tutelares, não presenciaram os fatos e nada esclareceram sobre sua dinâmica.
Dúvidas reforçadas
“A retratação de duas das três vítimas – ambas afirmando que mentiram em juízo por influência da terceira – reforça dúvidas já existentes desde o início, em um cenário sem provas independentes de corroboração”, afirmou o ministro.
“Trazido assim o contexto processual dos autos, no qual houve pedido de arquivamento da investigação, além da sentença e do acordão absolutório, tem-se que a retratação de duas vítimas se soma, de forma relevante, a todas as dúvidas que permearam os fatos desde o início, não se identificando provas independentes que possam subsidiar a manutenção da condenação”, destacou ele.
Seguiram o voto divergente os ministros Ribeiro Dantas, Messod Azulay Neto, Sebastião Reis Júnior e o desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti. Ficaram vencidos, com o relator, os ministros Og Fernandes, Joel Ilan Paciornik e o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo. O processo em questão foi o Pedido de Revisão Criminal (RvCr) Nº 6.094.
— Com informações do STJ