Por Carolina Villela
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta segunda-feira (26) a oitiva das testemunhas no processo que investiga a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Oito pessoas indicadas pela defesa do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro, foram ouvidas durante mais de uma hora e meia. Todas negaram ter conversado com Heleno sobre qualquer plano golpista ou sobre a chamada “minuta do golpe”.
A audiência foi conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da Ação Penal 2668. Logo no início das oitivas, Moraes alertou os advogados que não seriam admitidas perguntas que induzissem as respostas ou sem relação com a causa, enfatizando que “as testemunhas devem se ater a fatos” e “não devem dar suas interpretações pessoais”.
Defesa reduz lista de testemunhas
Inicialmente, a defesa do general Augusto Heleno havia arrolado dez testemunhas para depor, mas solicitou a retirada dos coronéis Asdrubal Rocha Saraiva e Ivan Gonçalves. A desistência dos dois militares foi homologada pelo ministro Alexandre de Moraes.
A lista final incluiu nomes de diferentes escalões das Forças Armadas e ex-integrantes do governo Bolsonaro: o general Carlos José Russo Penteado, o capitão de Mar e Guerra Ricardo Ibsen Pennaforte de Campos, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, o general Antonio Carlos de Oliveira Freitas, o coronel Amilton Coutinho Ramos, o capitão Valmor Falkemberg Boelhouwer, o ex-assessor especial Christian Perillier Schneider e o brigadeiro Osmar Lootens Machado.
Todos os depoentes trabalharam diretamente com Augusto Heleno durante o governo Bolsonaro, ocupando posições estratégicas no GSI ou mantendo contato regular com o ex-ministro.
Abin nega capacidade técnica para infiltração
Um dos depoimentos mais detalhados foi o de Christian Perillier Schneider, que trabalhou na comunicação social da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entre 2019 e 2022. Schneider revelou detalhes sobre o trabalho conjunto entre a Abin e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições de 2022, incluindo a produção de relatórios de inteligência sobre possíveis vulnerabilidades do processo eleitoral.
O ex-assessor foi enfático ao negar a possibilidade de infiltração de agentes da Abin nas eleições, afirmando que seria “legalmente e tecnicamente impossível”. Segundo Schneider, embora a infiltração seja uma técnica de inteligência utilizada mundialmente, “a Abin está proibida de utilizar” no Brasil. Ele explicou que se trata de uma operação de “alto risco” que “não se faz somente em três meses” e concluiu dizendo que “a Abin não tem capacidade técnica de fazer isso”.
Schneider esclareceu que “talvez possa ocorrer o que chamamos de recrutamento de fonte. É nada mais que alguém que está naquele ambiente e pode trocar informações com agente da Abin para troca de informações legais. Mas, a entrada de agentes é proibida”, ressaltou.
Schneider também relatou que o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, possuía um gabinete no Palácio do Planalto onde costumava despachar com o então presidente Bolsonaro “muitas vezes sem a ciência do GSI”.
Generais confirmam continuidade institucional no GSI
Os depoimentos dos generais Carlos José Russo Penteado e Antonio Carlos de Oliveira Freitas reforçaram a tese da defesa sobre o funcionamento institucional do GSI durante a gestão de Augusto Heleno. Penteado, que assumiu como secretário-executivo em julho de 2021, afirmou que a transição de governo ocorreu “de maneira institucional” e que “não houve nenhum atrito, nenhuma resistência e tudo aconteceu normalmente”.
Freitas, que trabalhou como diretor de Segurança da Informação, confirmou que a equipe do GSI foi mantida quando Heleno assumiu o comando. “Não houve troca, houve um pequeno acréscimo de pessoal, mas eram pessoas que já estavam no Palácio no governo anterior”, declarou. O general também explicou que o objetivo da rede do GSI era promover segurança cibernética, funcionando inicialmente apenas no Executivo, mas depois expandindo para outros órgãos externos.
O capitão Ricardo Ibsen Pennaforte de Campos, responsável pela organização burocrática do gabinete de Heleno, reforçou que “não houve politização” no GSI e que a maioria dos servidores dos governos anteriores de Michel Temer e Dilma Rousseff foi mantida pelo general.
Queiroga revela estado depressivo de Bolsonaro após derrota
O depoimento do ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga trouxe revelações sobre o estado emocional de Jair Bolsonaro após a derrota eleitoral. Queiroga afirmou que esteve com o então presidente após o resultado das eleições e percebeu que Bolsonaro estava triste e “entrou num quadro muito profundo de depressão”. Mesmo assim, o ex-ministro assegurou que “a transição ocorreu conforme a legislação”.
Queiroga confirmou ter mantido contato com o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, no segundo semestre de 2022. Segundo o ex-ministro, os contatos eram naturais “até porque desejávamos que Bolsonaro fosse reeleito” e Braga Netto participava da organização do Partido Liberal (PL).
O ex-ministro da Saúde também negou ter conversado com Augusto Heleno sobre qualquer estado de exceção ou minuta de golpe, reforçando que Bolsonaro sempre orientou a “agir sempre dentro do que determina a Constituição Federal”. Queiroga disse não se lembrar da presença de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, em reunião no Palácio da Alvorada em julho de 2022.
Coronel revela afastamento entre Heleno e Bolsonaro
O coronel Amilton Coutinho Ramos, que trabalhou como assessor especial de Comunicação no GSI, afirmou que, embora o GSI não tenha sido politizado, o general Heleno “pela proximidade com Bolsonaro, atuou como político”. Revelou ainda que houve um afastamento entre Heleno e o então presidente quando Bolsonaro se filiou ao Partido Liberal.
O coronel negou que Heleno tenha visitado o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília e afirmou que nunca houve ordem para que servidores do GSI comparecessem ao local. Segundo Ramos, embora o ex-ministro tenha defendido o voto impresso, ele aguardou o relatório da Defesa sobre as urnas eletrônicas e não questionou o resultado das eleições.
Ramos também abordou a polêmica reunião de 5 de julho de 2022, afirmando que o assunto discutido “não resultou em nenhuma medida” e que foi “surpreendido, como muitos, sobre o conteúdo da gravação”. O coronel concluiu seu depoimento destacando que não há nas redes sociais do general Heleno mensagens descredibilizando as urnas ou sobre ruptura democrática.
Últimos depoimentos
As últimas testemunhas, o capitão Valmor Falkemberg Boelhouwer e o brigadeiro Osmar Lootens Machado, mantiveram a linha dos depoimentos anteriores, negando qualquer conhecimento sobre planos golpistas. Lootens comentou que a transição de governo começou “de imediato”, mas houve “demora muito grande do atual governo” para definir a chefia do GSI. A audiência foi encerrada pelo ministro Alexandre de Moraes às 16h31.