Por Hylda Cavalcanti
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3) deu provimento a recurso do Ministério Público Federal (MPF) e determinou o recebimento de denúncia contra os médicos legistas Harry Shibata e Antonio Valentini que atuaram no período da ditadura militar, acusados de crimes diversos.
Com a decisão, o TRF 3 autoriza denúncia contra médicos legistas e a ação penal contra ambos pode prosseguir. Eles são acusados de falsidade ideológica e ocultação de cadáver, crimes relacionados à repressão política durante o regime militar.
Crimes contra a humanidade
O julgamento que determinou o recebimento da ação foi decidido por maioria de votos. Para os desembargadores federais que se manifestaram pelo provimento ao recurso, as condutas imputadas são conexas a crimes contra a humanidade. Por isso, não estão sujeitas a prescrição nem à Lei da Anistia. A decisão se deu por meio do Processo Nº 5007534-63.2023.4.03.6181, julgado pela 5ª Turma da Corte.
Conforme destaca a denúncia, os dois médicos teriam participado da elaboração de laudos necroscópicos com informações falsas, omitindo evidências de tortura nos corpos de Sônia Maria de Moraes Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana, militantes mortos em novembro de 1973.
Inicialmente rejeitada
Também de acordo com o documento do MPF, a ocultação do cadáver de Sônia teria ocorrido com o uso de identidade falsa em seu atestado de óbito, o que dificultou sua localização por quase duas décadas.
Inicialmente, a denúncia do MPF foi rejeitada pela 6ª vara Criminal Federal de São Paulo, que considerou que tais crimes teriam sido alcançados pela lei de anistia e, no caso da ocultação de cadáver, também pela prescrição. O juízo de primeiro grau considerou que a lei 6.683/79, declarada constitucional pelo STF na ADPF 153, extinguia a punibilidade dos fatos ocorridos entre 1961 e 1979.
Violações graves
Ao interpor o recurso ao TRF 3, o MPF argumentou que os crimes descritos foram praticados “com o objetivo de acobertar violações graves aos direitos humanos, como sequestro, tortura e execução sumária, inseridas em um contexto sistemático de perseguição a opositores do regime militar”.
A Procuradoria sustentou que todos esses atos, embora tipificados à época sob o Código Penal comum, se enquadram como crimes contra a humanidade, com base em jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Jurisdição da CIDH
Para o relator do recurso no Tribunal, desembargador federal Paulo Fontes, cabe ao TRF 3 autorizar a denúncia contra os médicos legistas porque o Brasil está submetido à jurisdição da CIDH, cujas decisões devem ser observadas tanto em seus efeitos diretos quanto na interpretação de normas internas.
“Mesmo sem tipificação penal formal no ordenamento brasileiro à época dos fatos, a prática de atos que visavam garantir a impunidade de crimes graves justifica o afastamento da anistia e da prescrição, em consonância com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil”, enfatizou o magistrado, no seu relatório/voto.
A partir de agora, os autos retornarão à 6ª vara Criminal de São Paulo para o regular prosseguimento da ação penal, com a instrução dos fatos apontados na denúncia.
– Com informações do TRF 3