O advogado constitucionalista Pedro Serrano

A Força da Institucionalidade: Uma entrevista com Pedro Serrano

Há 34 segundos
Atualizado sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Por Fábio Pannunzio

Se 2025 ficará marcado como o ano em que o Judiciário brasileiro rompeu com a tradição de anistiar golpistas, é preciso olhar para frente e entender a solidez dessas conquistas. Para analisar o legado deste momento histórico, as “modas” doutrinárias e as ameaças que ainda rondam a democracia, ouvimos um dos constitucionalistas mais respeitados do país: Pedro Serrano.

Para ele, as conquistas institucionais e a afirmação do Judiciário ainda correm risco, mas e legado histórico de 2025 é claro: “não aceitamos ofensa à democracia constitucional, não aceitamos ruptura e não aceitamos as práticas golpistas que sempre permearam nossa história

Serrano é advogado, Graduado, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC-SP, com Pós-Doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É sócio do escritório Teixeira Ferreira e Serrano Advogados Associados e professor da PUC-SP nos cursos de Direito Constitucional e Fundamentos de Direito Público. Com vasta experiência no setor público, foi Procurador do Estado de São Paulo, Consultor da Câmara Municipal de São Paulo e Secretário de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo.

O fim da impunidade e o recado para as novas gerações

HJur: 2025 foi um ano de consagração para o Poder Judiciário, rompendo com uma tradição de anistia aos que atentam contra a ordem constitucional — um atraso de 40 anos em relação a vizinhos como a Argentina. O senhor acredita que a punição dos golpistas atuais servirá de intimidação para futuras tentativas de ruptura?

Pedro Serrano: É difícil prever. A história nos mostra exemplos variados: há países onde a punição inibiu extremismos, e outros onde não. A França pós-Segunda Guerra, por exemplo, foi tímida na punição dos colaboracionistas, mas não viu um retorno significativo do nazismo na política interna por muito tempo.

No entanto, independentemente da previsão futura, a decisão é fundamental para a nossa geração. Deixamos uma mensagem clara para quem vai nos suceder: nós não aceitamos ofensa à democracia constitucional, não aceitamos ruptura e não aceitamos as práticas golpistas que sempre permearam nossa história. Esse é o legado mais importante. Se a nossa democracia sobreviver a esse período extremista, ela sairá extremamente fortalecida. É uma democracia jovem, nascida em 1988, uma “criança” que precisa crescer forte. A postura de defesa adotada este ano é crucial para esse amadurecimento.

Institucionalidade versus Personalismo e as “modas” jurídicas

HJur: O Judiciário já foi acometido por diversas “modas” doutrinárias: da fase punitivista pré-Mensalão, passando pela Teoria do Domínio do Fato, o Lavajatismo e, mais recentemente, o discurso do Garantismo. Quanto do resultado atual depende de figuras individuais, como o ministro Alexandre de Moraes, e quanto já é uma disposição institucional consolidada?

Pedro Serrano: Quanto maior a dependência de pessoas específicas, menor a maturidade democrática. A política, como registrada na tragédia Orestêia de Ésquilo, nasce com o julgamento público, substituindo a vingança pessoal pela institucionalidade. Quanto mais evoluída a democracia, mais institucional ela é; ou seja, mais pública e menos privada. Você pode ter um juiz pessoalmente autoritário, mas que age de forma democrática por força da instituição.

Sobre as “modas”, a Constituição não mudou; ela é a mesma. O termo “Garantismo” é muitas vezes mal utilizado no Brasil. Na sua concepção pós-Segunda Guerra, o garantismo não é uma crença pessoal do juiz ou uma defesa moral, mas uma forma positivista de acolher o fato de que temos constituições rígidas com conteúdo de direitos e garantias fundamentais. Aplicar esses direitos não é uma escolha pessoal do magistrado, mas uma determinação institucional. Mesmo que um juiz ache, pessoalmente, que direitos fundamentais sejam “balela” e prefira punir, em uma democracia madura ele deve agir institucionalmente aplicando a Constituição.

A estratégia da extrema-direita: dominar, não destruir

HJur: Com as eleições se aproximando e a ameaça da extrema-direita de conquistar maioria no Senado para retirar poderes da Suprema Corte, qual é o tamanho real dessa ameaça ao equilíbrio institucional?

Pedro Serrano: Do ponto de vista jurídico, retirar garantias da Suprema Corte ou alterar o equilíbrio dos poderes é impossível, pois são cláusulas pétreas. Mas a luta política é outra história. A extrema-direita, em todo lugar do mundo onde atinge poder — Hungria, Turquia, Estados Unidos —, ataca o Judiciário.

A intenção não é destruir a existência da jurisdição. O mercado capitalista precisa de segurança jurídica, contratos e juízes para funcionar. As ditaduras do século XX mantiveram estruturas judiciárias ao lado de aparatos de exceção. O objetivo da extrema-direita atual é dominar o Judiciário, transformando-o em um aparelho a serviço de seus intentos autoritários. Permitir isso seria a destruição definitiva da democracia. Por isso, por mais críticas que tenhamos ao Judiciário, sua defesa neste momento é central para a sobrevivência democrática.

Religião e Estado: O perigo do retrocesso teocêntrico

HJur: Sobre a indicação de Jorge Messias ao Supremo, o debate tem girado muito em torno de sua religiosidade evangélica. Como o senhor vê essa transição da crítica a símbolos passivos (como crucifixos) para a apropriação religiosa do plenário?

Pedro Serrano: Eu defendo intensamente a indicação do ministro Messias, mas não o faço por sua religião. A questão religiosa é privada. Há 2.500 anos, desde a fundação da política ocidental, distinguimos o público do privado. Messias deve ser ministro por sua qualidade jurídica: sua formação na UFPE e UnB, e sua atuação brilhante como Advogado-Geral da União — o melhor que vi em 40 anos de advocacia.

A cristandade deixou traços legítimos na nossa Constituição, como a ideia de dignidade humana, herdada do pensamento judaico-cristão. Contudo, uma coisa é reconhecer raízes históricas; outra é agir como religioso na função de ministro. O espaço público exige institucionalidade. Quando o debate é tomado por pautas religiosas, é um sinal de imenso atraso, um retorno a um pensamento quase medieval forçado por uma extrema-direita de caráter teocêntrico. Messias merece o apoio por sua competência técnica, e sua fé deve ser respeitada, mas jamais ser o critério de sua nomeação ou atuação.

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