Da Redação
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se prepara para julgar, na próxima terça-feira (16/9), uma proposta normativa considerada histórica no caso da chacina de Acari, ocorrida em 1990, no Rio de Janeiro. A medida obriga cartórios de registro civil a lavrar e corrigir os assentos de óbito dos 11 jovens desaparecidos, atendendo a uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A decisão representa o reconhecimento da responsabilidade internacional do Estado brasileiro pelas violações cometidas no episódio. A sessão, a 12.ª Ordinária de 2025, contará com a presença de familiares e representantes do movimento Mães de Acari, que há mais de três décadas lutam por justiça e reparação.
Trata-se de um passo inédito no campo da memória e da verdade, uma vez que os documentos oficiais terão de registrar a participação do Estado na violência que vitimou os jovens, garantindo às famílias o acesso pleno a seus direitos.
Reparação por meio dos registros
O texto normativo estabelece que as certidões de óbito tragam informações específicas: a causa da morte será descrita como “violência causada por agente do Estado brasileiro no contexto da chacina de Acari”; o local do crime será registrado como Magé, na Baixada Fluminense; e haverá remissão expressa à sentença da CIDH e à Lei Estadual n.º 9.753/2022, que prevê indenização financeira.
Com a regulamentação, os atos cartorários serão gratuitos, e os custos arcados por fundos próprios de ressarcimento, sem onerar os familiares. O documento corrigido é fundamental para que as famílias tenham acesso à reparação financeira prevista em lei.
A iniciativa também elimina a necessidade de processos judiciais individuais, reduzindo a revitimização e os obstáculos burocráticos. Na prática, significa uma porta aberta para que mães e pais que esperam por respostas há 35 anos possam acessar políticas de reparação sem novos embates judiciais.
Três décadas de impunidade
A chacina de Acari ocorreu em julho de 1990, quando 11 jovens foram sequestrados por homens encapuzados na favela de Acari. As investigações apontaram para a ação de um grupo de extermínio conhecido como Cavalos Corredores, com possíveis vínculos com policiais militares.
O caso se tornou símbolo da violência do Estado brasileiro e da fragilidade das instituições em responsabilizar agentes públicos. Apesar da pressão nacional e internacional, o processo enfrentou entraves legais, prescrições e arquivamentos.
Em 2024, mais de três décadas após o crime, policiais acusados foram absolvidos, reforçando a sensação de impunidade e o peso simbólico da luta travada pelas famílias.
Mães que transformaram dor em resistência
Os nomes das vítimas permanecem como marco de uma das mais graves violações de direitos humanos no país. A mobilização liderada pelo grupo conhecido como Mães de Acari transformou-se em exemplo de resistência e cobrança por justiça.
Em 1993, três anos após o desaparecimento dos jovens, a principal voz do movimento, uma das mães, foi assassinada junto com sua sobrinha. O crime ocorreu depois de ela denunciar publicamente a participação de policiais no caso, mostrando a extensão das ameaças enfrentadas por quem buscava justiça.
A eventual aprovação da norma pelo CNJ representa não apenas um ato burocrático, mas o reconhecimento oficial de que o Estado falhou em proteger seus cidadãos. Para os familiares, é também a chance de inscrever na história a verdade que por tantos anos foi negada.