Com informações do CNJ
Três anos após a criação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu um grupo de trabalho para avaliar os resultados da iniciativa e propor melhorias. O objetivo é analisar as decisões cadastradas no Banco de Sentenças e elaborar um diagnóstico sobre o uso da ferramenta pelos magistrados brasileiros.
O protocolo, lançado em 2022 através da Recomendação nº 128, funciona como um guia para orientar juízes a identificar como desigualdades de gênero podem influenciar processos judiciais. A ferramenta não altera o mérito das ações, mas propõe reflexões para evitar julgamentos baseados em estereótipos e preconceitos.
Entre as perguntas-chave sugeridas estão: o depoimento de uma vítima está sendo descredibilizado por questões de gênero? Uma norma aparentemente neutra gera impacto desigual entre homens e mulheres? O documento também orienta sobre valoração de provas em casos sensíveis e necessidade de medidas protetivas.
Os números mostram crescimento expressivo na adoção do protocolo. De apenas três registros em 2022, o banco saltou para 5.452 julgamentos em 2025, totalizando mais de 14,4 mil decisões desde a criação da ferramenta.
A Justiça Estadual lidera as aplicações, com 12.435 processos, seguida pela Justiça do Trabalho (686 casos) e Eleitoral (521 registros). Os temas mais recorrentes envolvem violência doméstica, com destaque para lesão corporal (2.625 registros), ameaças (2.160) e descumprimento de medidas protetivas (1.062).
O protocolo também tem sido aplicado em outras áreas. Na Justiça Federal, com 624 registros, o documento orienta sobre questões previdenciárias que refletem desigualdades históricas. Um caso recente no Ceará concedeu aposentadoria rural a uma mulher que exercia funções domésticas essenciais para a família, reconhecendo que “historicamente, recai sobre as mulheres a responsabilidade pelas funções de natureza doméstica”.
No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça aplicou o protocolo para reconhecer sobrecarga de gênero em uma disputa onde uma mãe foi processada por desabafar nas redes sociais sobre os cuidados com o filho. A decisão considerou que a publicação ocorreu “em um contexto de desespero e desabafo de uma mãe e mulher sobrecarregada”.
O grupo de trabalho, coordenado pela conselheira Renata Gil e composto por magistradas, pesquisadoras e representantes da sociedade civil, deve apresentar propostas para aperfeiçoar tanto o protocolo quanto o banco de sentenças, incluindo melhorias na alimentação de dados, organização e estratégias de divulgação nos tribunais.
O caso mais antigo registrado no sistema, de 2022, envolveu uma mulher indígena que perdeu o bebê no sétimo mês de gestação por falha no atendimento médico. O Tribunal Regional Federal reconheceu a responsabilidade da União ao considerar a condição de vulnerabilidade interseccional da vítima – mulher, indígena e gestante.
A iniciativa representa um marco na busca por um Judiciário mais equitativo, que considera as diferentes realidades sociais e combate discriminações históricas presentes no sistema de justiça brasileiro.