O relatório do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) sobre o projeto de lei antifacção tem gerado intensa controvérsia entre especialistas, governo federal e a oposição na Câmara dos Deputados. O parecer, apresentado na quarta-feira (12), foi criticado por provocar instabilidade jurídica, retirar recursos de fundos federais de segurança pública e enfraquecer a atuação da Polícia Federal no combate às organizações criminosas.
A proposta de Derrite pretende redefinir o conceito de facção criminosa, redistribuir recursos oriundos de apreensões e instituir novas penas, mas tem enfrentado resistência dentro e fora do Congresso. O impasse se dá em meio à crescente preocupação com a segurança pública e às movimentações políticas para as eleições de 2026.
Redistribuição de fundos e críticas do Executivo
O principal ponto de atrito entre o relator e o governo federal está na destinação dos recursos oriundos do combate ao crime organizado. Pelo texto apresentado por Derrite, os valores apreendidos passariam a ser repartidos com os Estados quando a investigação for conduzida por autoridades locais.
Segundo o Ministério da Justiça, a medida retira recursos importantes da esfera federal e compromete a capacidade operacional da Polícia Federal. O impacto estimado é de R$ 367 milhões sobre três fundos e dois órgãos, sendo o mais afetado o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), seguido pelo Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) e o Funapol.
Especialistas avaliam que essa redistribuição pode criar distorções e enfraquecer os instrumentos federais de repressão, além de gerar disputas entre instituições por recursos.
Conceito de facção e riscos jurídicos
Outro ponto sensível do parecer é a criação da figura jurídica da “facção criminosa”. O governo alega que o texto rebaixa esse conceito, dificultando a distinção entre crimes comuns e aqueles praticados por organizações estruturadas. Isso, segundo autoridades, poderia gerar brechas legais e inviabilizar investigações.
A proposta do Executivo, inspirada na Convenção de Palermo e construída com base em contribuições do Ministério Público, tem como objetivo central a descapitalização das facções, fortalecendo o aparato investigativo e repressivo. A versão apresentada por Derrite, segundo o governo, caminha na direção contrária, ao enfraquecer a atuação da Polícia Federal.
Reações e movimentações políticas
O cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, afirma que o projeto foi impactado pela disputa política entre governo e oposição. Segundo ele, a operação policial recente no Rio de Janeiro acendeu um alerta no Planalto, que viu queda na popularidade do presidente Lula. Isso levou à apresentação apressada de uma proposta robusta, enquanto a oposição tentou se apropriar do tema para fortalecer sua imagem.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que escolheu Derrite como relator, também foi alvo de críticas pela condução do processo. A avaliação é de que houve recuos e falhas de articulação, o que resultou em tensões tanto com o governo quanto com a própria oposição.
Argumentos do relator
Em nota, o deputado Guilherme Derrite defendeu seu parecer, afirmando que seu objetivo é fortalecer todas as forças de segurança, redistribuindo os recursos às instituições que efetivamente realizam as investigações. Ele acusa o projeto do governo de ser brando com os criminosos e de prever penas reduzidas para integrantes de facções.
Segundo Derrite, seu substitutivo corrige essas falhas, elimina brechas legais e endurece as punições, criando 11 novos crimes e aumentando penas para até 66 anos. Ele também afirma que seu texto permite bloqueio imediato de bens na fase investigativa, amplia o alcance da perda de patrimônio ilícito e cria mecanismos permanentes para confisco de ativos.
Caminhos para a votação
A votação do texto foi adiada, em movimento considerado estratégico. A expectativa é que haja novas alterações até a próxima terça-feira (18), quando os líderes partidários se reunirão para tentar costurar um consenso.
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), já adiantou que a legenda pretende apresentar destaque para equiparar o crime de facção ao terrorismo. O governo, por sua vez, deve trabalhar para reverter as mudanças mais criticadas e preservar o conteúdo original da proposta.
A disputa em torno do projeto antifacção evidencia a complexidade do tema e os interesses divergentes entre os poderes. Resta saber se a negociação entre as lideranças será suficiente para evitar um impasse prolongado ou se o projeto seguirá como mais uma pauta travada pelo embate político em ano pré-eleitoral.



