Por Carolina Villela
A ex-parlamentar italiana e advogada Renata Bueno, especialista em direito internacional, conversou com o HJur sobre as implicações legais da cidadania italiana no contexto da recente fuga da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), após sua condenação a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por invasão de sistemas e adulteração de documentos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ao deixar o Brasil, Zambelli alegou em entrevistas que seria “intocável na Itália”. Embora ainda não se saiba oficialmente se a deputada viajou de fato para o país europeu, a incerteza sobre sua localização gerou uma série de dúvidas jurídicas sobre a possibilidade de extradição.
Com base em sua experiência parlamentar e conhecimento do direito internacional, Renata Bueno afirmou que a tese da deputada de que a cidadania italiana ofereceria suposta imunidade contra processos judiciais brasileiros, não possui fundamento legal. Segundo a especialista, que atuou no caso de extradição de Henrique Pizzolato, condenado no Mensalão, a cidadania não garante proteção “absoluta” e precedentes judiciais comprovam a possibilidade de extradição em crimes graves.
Tratado bilateral permite extradição de cidadãos italianos
Segundo Renata, a cidadania italiana garante os mesmos direitos de um cidadão nato, mas não oferece imunidade absoluta. A advogada explica que o Tratado de Extradição entre Brasil e Itália, vigente desde 1993, estabelece que a extradição de nacionais italianos é facultativa, não proibida. A legislação italiana permite que a Justiça local autorize a extradição quando os critérios legais são preenchidos, incluindo a equivalência dos crimes e pena mínima de um ano, condições que o caso Zambelli atende.
Renata Bueno trabalhou intensamente no caso Pizzolato durante seu mandato no Parlamento Italiano. O ex-diretor do Banco do Brasil fugiu para a Itália em 2013 com passaporte falso, mas foi extraditado em 2015 após cooperação entre os dois países. A Justiça italiana concluiu que a cidadania não era suficiente para impedir a extradição, especialmente porque Pizzolato usou o passaporte como “escudo” sem vínculos reais com o país.
A especialista esclarece que a Constituição Italiana, em seu artigo 26, permite a extradição de cidadãos italianos, exceto em casos de crimes políticos. A jurisprudência estabelecida no caso Pizzolato comprova que a cidadania não oferece proteção automática contra processos de extradição, contrariando as declarações de Zambelli sobre sua suposta intocabilidade.
“A Justiça italiana pode autorizar a extradição ou, alternativamente, abrir um processo local com base nos crimes cometidos no Brasil, se forem reconhecidos pelo Código Penal italiano”, afirmou
Legislação italiana prevê punição para crimes similares
O Código Penal Italiano estabelece punições rigorosas para falsificação de documentos públicos, crimes similares aos cometidos por Zambelli no Brasil. O artigo 476 prevê pena de um a seis anos para falsificação material de atos públicos cometida por funcionário público, enquanto o artigo 479 estabelece pena de um a cinco anos para falsificação ideológica.
“A inserção de mandados falsos no sistema do CNJ, como no caso Zambelli, pode se enquadrar nessas tipificações, possibilitando uma ação judicial na Itália”, ressaltou. Isso possibilita que as autoridades locais abram processo judicial na Itália, mesmo que a extradição não seja autorizada, garantindo que os crimes não fiquem impunes.
As infrações podem ter agravantes se houver prejuízo ao serviço público, condição presente no caso da deputada. A adulteração de sistemas do Conselho Nacional de Justiça causou danos significativos à administração pública brasileira, fator que pode ser considerado pelas autoridades italianas em eventual processo local.
Prisão preventiva pode ser executada na Itália
Com o nome incluído na lista vermelha da Interpol e pedido de prisão preventiva da Procuradoria-Geral da República, segundo a advogada, Zambelli pode ser presa pelas autoridades italianas independentemente da decisão sobre extradição. A cooperação policial internacional permite a execução de mandados de prisão em território italiano, mesmo para cidadãos locais.
De acordo com a especialista, a decisão sobre a extradição cabe aos tribunais italianos, mas existe a possibilidade alternativa de processamento local caso os crimes sejam reconhecidos na legislação italiana.
Renata destacou a importância da cooperação internacional e da estratégia jurídica para garantir a aplicação da legislação, e enfatiza que “ninguém está acima da lei, independentemente da nacionalidade”.