A Câmara dos Deputados aprovou recentemente o Projeto de Lei 2.162 de 2023, conhecido como PL da Dosimetria, alterando significativamente a execução penal no Brasil. A análise do texto, realizada pelo advogado criminalista Bruno Salles, revela que a nova legislação modifica os cálculos para progressão de regime prisional e estabelece regras de exceção específicas para crimes contra o Estado Democrático de Direito, impactando diretamente casos como os dos atos de 8 de janeiro.
Bruno Salles é mestre em Direito Penal pela USP, sócio do escritório Salles Ribeiro Advogados, e figura ativa em órgãos como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). É também um dos fundadores do Grupo Prerrogativas.
Ele analisou o texto aprovado pela Câmara Federal e comparou com a legislação atual. De acordo com o criminalista, as principais alterações são as seguintes:
Retorno do cálculo fracionário
O texto aprovado promove uma mudança relevante no “caput” do artigo 112 da Lei de Execução Penal, retomando a lógica matemática anterior a 2019.
Para crimes comuns, cometidos sem violência ou grave ameaça, a progressão de regime volta a ser calculada pela fração de 1/6 (um sexto) da pena.
Essa alteração reverte a sistemática introduzida pelo Pacote Anticrime, que havia transformado todos os marcos temporais de progressão em percentuais fixos.
Segundo a análise jurídica, o projeto cria um sistema híbrido e pouco sistemático ao misturar frações para crimes comuns e porcentagens para outras hipóteses.
Enquanto o crime comum sem reincidência adota a fração, as demais categorias de condenação continuam sujeitas aos cálculos percentuais estabelecidos anteriormente.
Alterações em crimes violentos
Uma das mudanças mais profundas apontadas pelo especialista diz respeito aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.
Anteriormente, qualquer delito dessa natureza exigia o cumprimento de 25% da pena para que o preso tivesse direito à progressão de regime.
Com a nova redação, essa exigência de 25% fica restrita exclusivamente aos crimes contra a Pessoa (Título I) e contra o Patrimônio (Título II).
Isso implica que crimes contra a Dignidade Sexual, Paz Pública ou Administração Pública, mesmo se violentos, passam a ter progressão com apenas 1/6 da pena.
Dessa forma, delitos graves como incêndio, explosão, corrupção e associação criminosa passam a ser tratados com regras mais brandas de execução penal.
Impacto no sistema carcerário
A análise de Bruno Salles destaca que essa medida, embora pareça pontual no relatório legislativo, possui efeitos abrangentes no ordenamento jurídico.
Crimes previstos em leis especiais, como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e crimes de trânsito, também poderão ser beneficiados pela regra de 1/6.
O advogado avalia que o projeto pode atuar como um mecanismo desencarcerador em larga escala, indo além dos objetivos políticos imediatos da proposta.
Esse efeito secundário de redução do encarceramento é visto como positivo pelo analista, mas demandará um esforço nacional de revisão processual.
O judiciário precisará reanalisar uma miríade de casos onde o tempo necessário para a progressão de regime foi reduzido pela nova lei.
Regras sobre remição da pena
O projeto também traz clareza jurídica para a questão da remição da pena durante o cumprimento em regime domiciliar.
Foi inserido um novo parágrafo garantindo que o cumprimento de pena em casa não impede o abatimento de dias por meio de trabalho ou estudo.
Embora a jurisprudência já permitisse essa contagem, a positivação expressa desse direito na lei representa um avanço na segurança jurídica dos apenados.
Exceção para o 8 de janeiro
O ponto mais controverso do PL reside na criação de uma regra de exceção para os crimes contra as Instituições Democráticas.
O texto insere uma disposição final determinando que, para esses delitos, deve-se aplicar sempre a regra do concurso formal de crimes.
No concurso formal, aplica-se apenas a pena mais grave com um aumento, ao contrário do concurso material, onde as penas são somadas.
A nova regra valerá mesmo que as condutas tenham “desígnios autônomos”, o que, pelo Código Penal vigente, obrigaria a soma das penas.
O advogado ressalta que essa alteração cria uma exceção inédita, modificando regras da Parte Geral do Código Penal através de uma norma específica.
Benefício retroativo aos réus
A análise critica o fato de o projeto ignorar a tradição jurídica de mais de quatro décadas, criando um benefício exclusivo para um grupo de condenados.
Ao impor o concurso formal mesmo diante de desígnios autônomos, o PL tende a diminuir substancialmente as penas dos envolvidos na trama golpista.
Por se tratar de uma norma de direito penal mais benéfica ao réu, a lei retroagirá para alcançar fatos passados, inclusive com trânsito em julgado.
Isso significa que as condenações já proferidas sobre os atos de 8 de janeiro poderão ser revistas para aplicação de penas menores.
Redução por crimes de multidão
Por fim, o projeto introduz um dispositivo específico para crimes praticados em contexto de multidão, visando reduzir a punibilidade dos participantes.
A proposta prevê que a pena será reduzida de um terço a dois terços para agentes que não exerceram liderança ou financimanto.
Para o especialista Bruno Salles, essa é mais uma evidência de que a alteração legislativa tem o objetivo claro de beneficiar um grupo específico.



