Da Redação
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os jurados do tribunal do júri devem analisar se a morte de João Alberto Silveira Freitas teve motivação racial. O homem negro foi espancado até a morte por seguranças de um supermercado Carrefour em Porto Alegre, na véspera do Dia da Consciência Negra de 2020.
O caso chocou o Brasil e gerou protestos em todo o país. A decisão, por unanimidade, é da Sexta Turma do STJ .
Por unanimidade, a Sexta Turma atendeu ao recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) e restabeleceu a qualificadora de motivo torpe ligado ao racismo. Na prática, isso significa que os réus agora respondem por homicídio triplamente qualificado. Além da possível motivação racial, o MP apontou uso de meio cruel e recurso que impediu a defesa da vítima.
Decisão reforça competência do tribunal do júri
O relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, explicou que nesta fase do processo não cabe fazer análise profunda das provas. O papel da pronúncia é apenas verificar se existem elementos mínimos que justifiquem levar a acusação ao júri popular, responsável por julgar crimes dolosos contra a vida.
“Em prestígio à soberania do júri, a definição sobre a presença ou não de motivação racial no delito deve ser reservada aos jurados”, afirmou o ministro. Para ele, são os cidadãos sorteados para compor o conselho de sentença que devem avaliar todo o conjunto de provas e decidir se houve ou não racismo no crime.
A Justiça gaúcha havia retirado a qualificadora do motivo torpe ainda na fase de pronúncia. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou que não havia prova concreta de racismo porque não foram registradas ofensas raciais explícitas nem testemunhos diretos sobre discriminação durante a abordagem.
Racismo vai além de xingamentos e ofensas diretas
Ao derrubar essa decisão, o ministro Sebastião Reis Júnior destacou um ponto fundamental: o racismo não se manifesta apenas por palavras ou gestos explícitos. Ele também se expressa por meio de práticas estruturais, como abordagens desproporcionais, vigilância excessiva e uso de força exagerada contra pessoas negras e vulneráveis socialmente.
O relator apontou que vários elementos do caso não podem ser ignorados nesta fase. João Alberto era um homem negro que foi monitorado de forma intensa dentro do supermercado e depois submetido a uma contenção violenta que resultou em sua morte. Esses fatos, segundo o ministro, são dados relevantes que merecem análise pelos jurados.
“A possibilidade de que a conduta tenha sido influenciada por preconceitos estruturais é suficiente para que a questão seja submetida ao tribunal do júri, sem exigir prova definitiva da motivação”, explicou Sebastião Reis Júnior.
Delegada identificou influência de estigmas raciais
Um elemento de prova foi considerado especialmente importante pelo ministro: o depoimento da delegada de polícia que conduziu o inquérito. Em seu relato, a autoridade policial identificou a influência de estigmas sociais e da condição racial e socioeconômica de João Alberto na forma como ele foi abordado pelos seguranças.
Esse depoimento, somado às demais circunstâncias do caso, levou o STJ a concluir que a qualificadora não é manifestamente improcedente. Portanto, não poderia ter sido excluída antes do julgamento pelo júri popular.
Com a decisão, o MPRS conseguiu restabelecer a acusação completa contra os réus. Agora, caberá aos jurados avaliar todas as provas e decidir se João Alberto foi morto por homicídio triplamente qualificado, incluindo a motivação racial como agravante.
Caso relembra urgência do debate sobre racismo estrutural
O Caso João Alberto se tornou símbolo da violência racial no Brasil. As imagens da agressão brutal, que aconteceu na véspera do Dia da Consciência Negra, rodaram o mundo e provocaram manifestações em diversas cidades brasileiras. O episódio reacendeu o debate sobre racismo estrutural, violência contra a população negra e práticas de segurança em estabelecimentos comerciais.
Ao devolver a competência ao júri popular para decidir sobre a motivação racial, o tribunal reforça o princípio constitucional da soberania dos veredictos populares em crimes dolosos contra a vida. Serão os cidadãos comuns, e não apenas juízes, que terão a palavra final sobre as circunstâncias que levaram à morte de João Alberto.


