Da Redação
A 3ª Vara Federal de Santa Maria (RS) proferiu uma decisão significativa ao anular o processo administrativo e a portaria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que reconheciam uma área no município de Restinga Seca como território quilombola remanescente. A sentença, publicada no dia 14 de junho pelo juiz Rafael Tadeu Rocha da Silva, traz importantes reflexões sobre a interpretação constitucional dos direitos quilombolas.
Contexto do Processo
O caso envolve treze proprietários de imóveis rurais da localidade de São Miguel, que contestaram o reconhecimento do território pela Fundação Cultural Palmares. A área em questão, inicialmente identificada como território do Quilombo de São Miguel dos Pretos em 2007, foi representada judicialmente pela Associação Comunitária Vovô Geraldo.
Os proprietários alegaram irregularidades no processo de reconhecimento territorial, desencadeando uma disputa judicial que culminou na anulação dos atos administrativos.
Interpretação Antropológica e Jurídica
Um ponto crucial da decisão judicial foi a perícia técnica realizada por um antropólogo, que investigou detalhadamente a história da comunidade. O perito analisou documentos históricos, incluindo inventários, registros de batismos, casamentos e cartas de liberdade, concluindo que a comunidade não se enquadrava no conceito constitucional original de quilombo.
Segundo o laudo, a aquisição da terra ocorreu na década de 1890, após o período escravagista, o que diverge da concepção constitucional de comunidades quilombolas.
Definição Constitucional e Implicações Legais
O juiz Rafael Tadeu Rocha da Silva ressaltou a impossibilidade de “ressignificar” o termo quilombo para abranger todas as comunidades negras rurais brasileiras. A interpretação judicial manteve-se fiel à concepção original constitucional: quilombos como territórios de resistência à escravidão, habitados por escravos fugidos e em risco de expulsão.
A sentença enfatiza que o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) visa proteger comunidades específicas que efetivamente vivenciaram o contexto da escravidão.
A decisão judicial representa um marco importante na interpretação dos direitos territoriais quilombolas, estabelecendo critérios mais restritivos para o reconhecimento dessas comunidades. O processo foi julgado procedente, sendo considerada indevida a desapropriação das terras em favor da comunidade quilombola, principalmente pela ausência de comprovação da existência de quilombos na área antes da Constituição de 1988.
A sentença ainda destaca que cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), deixando em aberto a possibilidade de novos desdobramentos jurídicos sobre a questão territorial.